Quem começa a ler Equívoco não consegue parar. O romance tem um enredo empolgante, o fio da história penetra rijo na curiosidade do leitor, escravizando- o à dinâmica e ao tempo da trama que o escritor inventou, talvez a maior qualidade e o maior pecado do livro desse estreante. A coisa fica muito rápida, ligeira demais. Fica a impressão de que a novela deveria prosseguir por mais algum tempo, fica a tristeza de nos separarmos das personagens e do mundo inventados e colocadas para viver ali no papel.
Só no final, percebemos a variedade de temas, de passagens poéticas, de tiradas irônicas e dramáticas. O livro é um fio, mas é também uma rede que nos amarra delicadamente à sociedade brasileira.
É difícil classificar este livro em algum gênero. Sem dúvida, é uma novela policial, no entanto, tem também umas pitadas do épico, o pano de fundo é a trajetória "heróica" de um ser em luta contra a fúria dos elementos. Há crítica de costumes e requintes dos romances psicológicos, conflitos existenciais e dilaceramentos passionais, tudo condensado e como que buscando provar que o romance não morreu. O mesmo se passa com a linguagem: há estilos já conhecidos, mas o todo é surpreendente, eu diria até, talvez, original. Uma mistura da secura e precisão de Graciliano Ramos com os excessos de alguém que tivesse muito recentemente renegado o barroco. Aliás, uma das referências persistentes em Equívoco é a Divina Comédia, a obra neoclássica mais barroca que a humanidade já conheceu.
O livro tem também um pouco de ensaio político-social: o autor é médico-sanitarista de profissão, tendo escrito artigos e livros sobre políticas de saúde. Felizmente, para a literatura, quase todos estes aspectos estão solidamente imbricados com os destinos dos protagonistas da história, o que permitiu uma fuga tanto do chavão quanto da chatice. Curiosamente, ao contrário, Gastão conseguiu dar a impressão de que o personagem principal, "Eraldo", rei do erro e do equívoco, estaria encarnado e sintetizando o passado da esquerda brasileira; e que seu filho, Bolívar, ausente durante todo o desenrolar da história, mas pivô central da trama, representaria a promessa de futuro. A propósito, os acontecimentos se passam em São Bernardo e Diadema, aí por volta de 1979, havendo citações de personalidades brasileiras, como Lula, entre outros.
Enfim, trata-se de um livro instigante. Um livro que vale a pena ser lido. Contudo, deixem um interlocutor à mão, porque depois dá uma vontade danada de comentar de escrever sobre ele.
João Felício Filho é filósofo e especialista em semiótica.