Colunas | Economia

A possibilidade de haver um processo inflacionário em escala global está ligada ao aumento do preço das commodities e dos alimentos

O mercado financeiro prevê que a inflação até o final de 2011 não ultrapasse o centro da meta de 4,5% ao ano. Apesar disso, defende um aumento da taxa básica de juros Selic em 2010 e 2011 para níveis superiores a 10% ao ano. Avalia que a expansão fiscal do governo federal geraria aumento de demanda que superaria a oferta de bens e serviços produzidos no país, causando inflação.

Essa avaliação precisa ser questionada, pois interessa ao mercado financeiro a Selic crescer, pois gera maiores lucros com os juros dos títulos do governo federal e aumenta os juros aos clientes.

Caso não proceda essa "tese", o país poderia ter a Selic entre cerca de 5% ao ano, no caso de países emergentes, e 1%, no caso dos países desenvolvidos, onde essas taxas são compatíveis com inflações baixas.

Assim: as contas públicas teriam redução de despesas com juros de 2% do PIB e cairia mais rapidamente a relação dívida-PIB; cresceria o investimento, pois as empresas seriam mais estimuladas a investir na produção de bens e serviços do que aplicar nos títulos do governo federal; cairiam os ganhos de arbitragem do capital financeiro externo, reduzindo as perdas do país em seu balanço de pagamentos; diminuiriam as perdas causadas pela elevação das reservas internacionais, que estão sendo responsáveis neste ano por metade do crescimento da relação dívida-PIB; ocorreria uma sensível melhora na redistribuição de renda, uma vez que os ganhos financeiros da alta Selic são pagos pelo governo federal com recursos de um sistema tributário fortemente regressivo; e o país poderia crescer mais sem correr os riscos de inflação.

A globalização econômica radicalizou a concorrência internacional, forçando os produtores locais a ofertar produtos em quantidade, qualidade e preço compatíveis com as ofertas de outros países. Foram barateados máquinas, equipamentos, produtos intermediários e produtos finais para consumo.

A consequência desse processo foi a eliminação quase completa de ameaças de inflação, com queda constante na taxa mundial. A demanda interna de um país é limitada pelo poder aquisitivo de sua população e condições de financiamento do consumo, porém a oferta de bens e serviços é constituída pela produção para o mercado interno do país, mais o conjunto ofertado internacionalmente pelos vários países, que é praticamente ilimitado.

Além disso, parece haver uma avaliação pessimista do mercado financeiro de que as empresas não conseguem aumentar sua oferta diante da expansão da demanda. Se as empresas têm capacidade ociosa, o argumento não procede. Caso não tenham, é porque foram incapazes de prever a elevação da demanda e/ou o tempo necessário para ampliar a capacidade seria superior ao necessário. Nesse cenário, há uma subestimação da capacidade das empresas de acompanhar os movimentos do mercado, o que não parece ser o caso.

A possibilidade de haver um processo inflacionário em escala global está ligada ao aumento do preço das commodities e dos alimentos, que poderá ocorrer com o forte crescimento dos países emergentes, que passam a incluir vultosos contingentes de novos consumidores. Apesar dessa ampliação do mercado consumidor verificada durante vários anos antes da crise de setembro de 2008, a inflação mundial e em cada país pouco se alterou, mostrando a supremacia da concorrência internacional e do incremento da produtividade na definição dos preços em escala global.

Finalmente, o histórico desde 1996 da inflação e do PIB no país indica que crescimento não provoca inflação.

Como conclusão: podemos crescer a taxas superiores a 5% ao ano sem riscos inflacionários e, portanto, sem temor do terrorismo monetário causador do agravamento da distribuição de renda, do déficit das contas públicas, do baixo nível do investimento produtivo e do atraso em nosso desenvolvimento.

Amir Khair é mestre em Finanças Públicas pela FGV e consultor