Uma proposta dirigida ao capital financeiro, aos empresários, aos latifundiários, à mídia oligopolizada e a políticos que tiveram seus interesses contrariados
Uma proposta dirigida ao capital financeiro, aos empresários, aos latifundiários, à mídia oligopolizada e a políticos que tiveram seus interesses contrariados
A proposta revela um compromisso com a privatização e com o fim do regime de partilha na Petrobras. O povo brasileiro que lutou na campanha “O petróleo é nosso”, perdeu empresas públicas valiosas, como a Vale do Rio Doce, mas que também resistiu em toda parte ao avassalador processo de privatização colocado em prática pela direita nos anos de 1990, se verá novamente diante do fantasma do entreguismo
No final de outubro de 2015, em meio ao aprofundamento da crise política, em grande medida comandada por Eduardo Cunha, o PMDB, partido que integrou ao lado do PT a chapa presidencial de Dilma, em 2010 e 2014, elaborou uma proposta, em suas palavras, “para tirar o Brasil da crise”. Enunciado enquanto texto para debate interno, foi amplamente divulgado, tal como um programa de candidatura à Presidência. Neste caso, porém, as eleições já haviam passado, e o “Uma Ponte para o Futuro” não era dirigido aos eleitores, mas ao capital financeiro, aos empresários, aos latifundiários, à mídia oligopolizada e, é claro, aos políticos ávidos por poder que viram seus interesses serem contrariados. Na verdade, tratava-se do programa do golpe.
Listaremos cinco conjuntos de propostas que consideramos mais preocupantes de um programa que, em sua totalidade, é avesso aos interesses do Brasil e de seus trabalhadores e trabalhadoras.
O documento afirma ser fundamental:
“Executar uma política de desenvolvimento centrada na iniciativa privada, por meio de transferências de ativos que se fizerem necessárias, concessões amplas em todas as áreas de logística e infraestrutura, parcerias para complementar a oferta de serviços públicos e retorno a regime anterior de concessões na área de petróleo, dando-se à Petrobras o direito de preferência”.
Trocando em miúdos, tratar-se-ia de substituir um projeto de desenvolvimento nacional centrado no Estado por um calcado na iniciativa privada que, como se sabe, tem como objetivo único obter lucro. Não há lugar para justiça social e mitigação das desigualdades em um país controlado pelo mercado, pois este buscará sempre assegurar seus interesses.
O texto revela um compromisso com a privatização e com o fim do regime de partilha na Petrobras. O povo brasileiro que lutou na campanha “O petróleo é nosso”, que perdeu empresas públicas valiosas, como a Vale do Rio Doce, mas que também resistiu em toda parte ao avassalador processo de privatização colocado em prática pela direita nos anos de 1990, se verá novamente diante do fantasma do entreguismo.
As perdas podem ser vultosas. De acordo com a Federação Única dos Petroleiros (FUP), caso o modelo de “Uma Ponte para o Futuro” viesse a ser adotado, poderia ser subtraído do Estado, só na exploração do Campo de Libra, cerca de R$ 246 bilhões em recursos.
A operação política para viabilizar um golpe à democracia brasileira está em curso, e, mais, já golpeiam o povo por meio de alianças escusas com o PSDB que visam na verdade rasgar o nosso passaporte para o futuro. Nessa frente entreguista integrada pelos setores golpistas do PMDB, temos como inciativas concomitantes o apoio ao PL 600/2015, do deputado federal Jutahy Junior (PSDB-BA), que altera e revoga dispositivos da lei que estabeleceu o regime de partilha; ao PLS 417/2014, do senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), que extingue o regime de partilha e retoma o modelo de concessão; e ao PL 4.567/2016, de autoria de José Serra (PSDB-SP), que revoga a participação obrigatória da Petrobras no modelo de partilha, já aprovado no Senado.
As alterações no regime de partilha põem em risco as conquistas relacionadas à educação pública que, como veremos à frente, é profundamente atacada em outra medida proposta pelo programa. Isso porque 75% dos royalties gerados pela exploração do pré-sal garantiriam 10% do PIB brasileiro a serem investidos em creches, escolas e universidades.
A já apelidada por seus críticos como “ponte para o abismo”, ou “ponte para o passado”, também sugere mudanças profundas na política internacional:
“Realizar a inserção plena da economia brasileira no comércio internacional, com maior abertura comercial e busca de acordos regionais de comércio em todas as áreas econômicas relevantes – Estados Unidos, União Europeia e Ásia – com ou sem a companhia do Mercosul, embora preferencialmente com eles. Apoio real para que o nosso setor produtivo integre-se às cadeias globais de valor, auxiliando no aumento da produtividade e alinhando nossas normas aos novos padrões normativos que estão se formando no comércio internacional”.
Flagrante ataque aos Brics, ao Mercosul e à política internacional inaugurada pelo governo Lula, tais propostas visam retomar medidas subservientes aos países do capitalismo central, atentando contra a soberania nacional. Considerando a persistência da crise no hemisfério Norte, seria de grande utilidade para esses países voltar a poder contar com a especulação no Brasil como mero exportador de divisas a serviço de seus interesses. “Uma Ponte para o Futuro” não se posiciona a partir dos interesses brasileiros, pois defende o fim da diversificação das alternativas econômicas, prerrogativa para a construção da autonomia necessária para a prevalência de interesses nacionais.
Afirmam que estabeleceriam o que chamam de “agenda de transparência e de avaliação de políticas públicas”, algo que ao olhar desatento poderia soar positivo, mas como a própria complementação do texto indica, busca empreender cortes de investimento em programas sociais. Concluem que: “O Brasil gasta muito com políticas públicas com resultados piores do que a maioria dos países relevantes”, mas não explicitam os indicadores que os levaram a tal conclusão. Deslegitimam assim políticas que se transformaram em referência para o mundo inteiro. Enquanto para nós sair do Mapa da Fome atesta o sucesso de políticas de transferência de renda, para eles trata-se de gastos a serem enxugados.
O documento indica que a vitória do golpe colocaria em risco a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), pois explicitamente afirmam que pretendem: “Na área trabalhista, permitir que as convenções coletivas prevaleçam sobre as normas legais, salvo quanto aos direitos básicos”. Ou seja, permitir que o poder econômico determine e o grau de exploração da mão de obra, espoliando ainda mais aqueles e aquelas que constroem este país e mais uma vez veem suas conquistas ameaçadas por uma elite que não aceita as mudanças que produzimos nos últimos anos.
Em um ataque frontal à Constituição de 1988, que faria o Dr. Ulysses Guimarães corar de vergonha, defendem o fim das vinculações constitucionais dos investimentos em saúde e educação, querendo assim deixar a vida dos brasileiros e brasileiras e a educação do nosso povo ao sabor dos humores de legisladores e governantes de ocasião.
Querem construir um discurso de que as políticas universais e as voltadas aos mais pobres representam um atraso para o Brasil, querem que acreditemos na falácia de que em termos econômicos não há escolhas, que é preciso que os trabalhadores paguem a conta da crise do capitalismo internacional por meio da flexibilização dos seus direitos, do corte de investimentos em programas sociais, e de um ajuste fiscal ainda mais recessivo.
O PMDB busca assumir pela terceira vez a Presidência da República sem conquistar o voto em sua legenda para chefiar o Executivo nacional. A diferença é que enquanto as posses de José Sarney e Itamar Franco tiveram base democrática e legitimidade, na atualidade esse resultado seria fruto de uma política sorrateira e avessa à Constituição. Barraremos o golpe em nome da democracia brasileira, mas também daqueles e daquelas que ao longo de largo período da nossa história foram esquecidos pelo Estado, e não retornarão a essa condição.
Maria do Rosário Nunes é deputada federal pelo PT do Rio Grande do Sul