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A redução da maioridade penal só gerará maior violência. Se aprovada, teremos criminosos, cada vez mais precoces, formados em um sistema prisional falido

Se aprovada a redução da maioridade penal, teremos criminosos profissionais cada vez mais precoces formados em um sistema prisional falido. A impunidade é totalmente diferente da inimputabilidade! O Brasil é o país da impunidade, apenas 8% dos homicídios e 3% do total de crimes são esclarecidos. Antes de qualquer mudança legislativa, precisamos de urgente reestruturação das polícias brasileiras e progressos na atuação do Poder Judiciário

Se o ECA fosse cumprido não teríamos "adolescentes infratores"

Se o ECA fosse cumprido não teríamos "adolescentes infratores". Foto: Marcio Fernandes/Estadão Conteúdo

A redução da maioridade penal é medida enganosa, que só vai gerar mais crimes e maior violência. Sendo aprovada, teremos criminosos profissionais, cada vez mais precoces, formados nas cadeias, dentro de um sistema prisional arcaico e falido. Dessa forma, a violência aumentaria, já que a reincidência no sistema penitenciário brasileiro, conforme dados do Ministério da Justiça, é de mais de 60%. No sistema de internação de adolescentes, por mais crítico que seja, estima-se a reincidência em 30%. Atualmente, há 550 mil detentos nas prisões brasileiras, para apenas 300 mil vagas. Em São Paulo são 100 mil vagas nos presídios, onde hoje estão mantidos 200 mil presos. Onde os adolescentes ficariam? Em que condições? Além da superlotação, da presença de facções criminosas, falta de atendimento à saúde, ausência de escolarização, de trabalho, de assistência jurídica e tantas outras mazelas, os jovens seriam mantidos em verdadeiras “pocilgas” ou “masmorras medievais”, como são muitos dos presídios brasileiros.

Devemos também levar em conta que as propostas de redução da maioridade penal são inconstitucionais, e portanto só poderiam prosperar através de uma nova Assembleia Nacional Constituinte. Pareceres e manifestações de juristas e da própria Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) consideram a inimputabilidade dos adolescentes no rol de direitos e garantias fundamentais, que não podem ser abolidos por emenda constitucional, e sim, e apenas, através de nova Constituinte. Trata-se de “cláusula pétrea”, que não pode ser alterada por lei ordinária ou mesmo por Projeto de Emenda à Constituição. Conforme o artigo 228 da Carta brasileira de 1988, o adolescente é inimputável, mas não fica impune. Ele é submetido à responsabilização prevista na legislação especial, no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069 de 1990), e não no Código Penal. Pode, inclusive, ser privado de liberdade, por meio da internação.

A impunidade é totalmente diferente da inimputabilidade! O Brasil é o país da impunidade, já que apenas 8% dos homicídios e 3% do total de crimes são esclarecidos. O que adiantará mudar as leis penais, se quase não há investigação e esclarecimentos de crimes? Antes de qualquer mudança legislativa, precisamos de urgente reestruturação das polícias brasileiras e progressos na atuação do Poder Judiciário.

Devemos também observar nessa discussão que, na verdade, as crianças e os adolescentes são mais vítimas do que autores de crimes. Em média, até os 19 anos, 9 mil pessoas são assassinadas anualmente, conforme o Mapa da Violência 2012. São 22 assassinatos por dia nessa faixa etária. Em 2012, foram 130 mil denúncias de abusos contra crianças e adolescentes feitas no Disque 100.

Infelizmente, muitas vezes, o Estatuto da Criança e do Adolescente só é lembrado quando envolve crime. Poucos se lembram da lei quando crianças e adolescentes são vítimas de ações ou omissões do Estado e da sociedade, como quando faltam vagas nas creches e escolas, quando faltam cursos profissionalizantes para os adolescentes, quando faltam tratamentos de saúde para as crianças e os jovens, entre outras situações. Se o estatuto fosse cumprido, nem sequer teríamos “adolescentes infratores”! Também devemos levar em conta que, de 60 milhões de crianças e adolescentes, os que cometeram atos infracionais representam 0,1% desse total, tendo em vista que menos de 100 mil cumprem algum tipo de medida socioeducativa. Dos 9 mil internos da Fundação Casa de São Paulo, os que cometeram crimes graves, como homicídios e latrocínios, representam menos de 1,5% do total de internos.

O consumismo e a rápida ascensão econômica e social introduzida pelo tráfico e pelo envolvimento com o crime, ainda que momentânea e ilusória, se somam aos sistemas e programas educacionais e sociais bastante frágeis e precários, além da falta de oportunidades e da desagregação familiar. Esses são alguns dos componentes que geram o aumento da criminalidade juvenil no Brasil.

O Estatuto da Criança e do Adolescente gerou muitos avanços nos últimos anos com relação ao atendimento às crianças, mas no atendimento aos adolescentes os poderes públicos ainda deixam muito a desejar, principalmente nas áreas de educação, saúde, assistência social e profissionalização. A prevenção, por meio de políticas sociais, custa muito menos que a repressão! Os governos devem cumprir o princípio constitucional da prioridade absoluta, através dos orçamentos e da criação dos programas e serviços especializados voltados às crianças e aos adolescentes, próprios ou em parcerias com entidades, como de atendimento a famílias, enfrentamento do abuso e da exploração sexual, erradicação do trabalho infantil, atendimento à drogadição, atendimento às vítimas de maus-tratos e violência, convivência familiar e comunitária, medidas socioeducativas e programas de oportunidades e inclusão. Entre as medidas, também precisamos garantir vagas para os jovens em cursos profissionalizantes, independentemente de escolaridade e com direito a bolsa de estudos fornecida pelo poder público. Além disso, é necessário criar uma política de incentivos fiscais para as empresas que contratem estagiários e aprendizes, principalmente, entre 14 e 21 anos. As prefeituras e empresas públicas também devem contratar esses jovens.

Atualmente, o desenvolvimento econômico e social e as oportunidades de emprego não estão chegando aos jovens de 14 a 21 anos, com defasagem escolar, vulnerabilidade ou em conflito com a lei. Reduzir a idade penal, porém, seria a decretação da completa falência dos sistemas educacionais e de proteção social do país! Temos, sim, de prevenir, incluir e garantir oportunidades à juventude. Se o adolescente procura a escola, o serviço de atendimento a dependentes de drogas, trabalho, profissionalização e não encontra, pode acabar indo para o crime. O crime só inclui quando o Estado exclui!

Ariel de Castro Alves é advogado, especialista em Políticas de Segurança Pública pela PUC-SP, presidente da Comissão da Infância e Juventude da OAB de São Bernardo do Campo, ex-conselheiro do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), membro do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) e um dos fundadores da Comissão Especial da Criança e do Adolescente do Conselho Federal da OAB