O país pretende transformar o modelo de sua economia, reduzir as disparidades sociais, ampliar a democracia e combater a corrupção atual e futura
O país pretende transformar o modelo de sua economia, reduzir as disparidades sociais, ampliar a democracia e combater a corrupção atual e futura
O 18º Congresso reiterou a filosofia do avanço gradual como o instrumento mais forte para realizar as mudanças projetadas para os próximos anos. Foi assim, avessa aos choques, que a China conseguiu se transformar, em trinta anos, na segunda potência mundial
18º Congresso do PC da China. Foto: Reprodução dlyakota.ru
A imprensa ocidental, em geral, continua tratando o Congresso do PC da China como algo inusitado, cujos meandros internos supostamente conhece em detalhes. Nessas condições, a especulação permanece a marca das coberturas jornalísticas, nas quais se misturam algumas informações verossímeis com interpretações disparatadas. Para não cair nessa vala comum, tentaremos apenas abordar informações comprováveis a respeito desse evento que reuniu 2.270 delegados, eleitos num processo de discussão interna, entre outubro de 2011 e julho de 2012, envolveu os 82 milhões de membros do PC e, em paralelo, mais de 120 milhões de membros da Juventude Comunista.
Os congressos do PC fazem parte de um sistema político que, a cada cinco anos, discute as grandes questões estratégicas e as medidas correspondentes a serem introduzidos na ação partidária e no país. Os ajustamentos estratégicos e táticos intermediários são debatidos nas reuniões anuais plenas do Comitê Central, na Assembleia Popular Nacional e na Conferência Consultiva Política do Povo Chinês. A cada dez anos, os congressos do PC realizam as mudanças nos órgãos de direção partidária e política do país, conforme as normas dos sistemas de idade limite, rotatividade e performance dos funcionários e quadros partidários e governamentais.
Há trinta anos foi instituído o sistema de aposentadoria compulsória dos dirigentes do partido, entre 60 e 65 anos, como instrumento estratégico de renovação dos quadros. Também há trinta anos foi estabelecido um limite máximo de dois mandatos de cinco anos, para a permanência em qualquer cargo partidário e do governo, como instrumento igualmente estratégico para a rotatividade no poder. E, há dez anos, a avaliação da performance dos dirigentes e funcionários do partido e do governo passou a ter por base o índice de felicidade dos cidadãos e a proteção ambiental, e não mais o crescimento do PIB ou dos investimentos.
Tendo em vista sobretudo a mudança desses critérios, que tomam a felicidade dos cidadãos e a proteção ambiental como os principais índices do desenvolvimento do país, o processo de preparação e realização do 18º Congresso teve como questões-chave de discussão e decisão aquelas relacionadas aos problemas econômicos, sociais e políticos que interferem nesses índices, muitos dos quais emergiram negativamente nos últimos trinta anos de desenvolvimento da China. Os documentos do Congresso não só relatam cruamente essa emergência como apontam as mudanças e reformas que devem ser introduzidas para resolvê-la, concentrando-se prioritariamente no modelo de desenvolvimento da economia, na melhoria do bem-estar social e na democratização da estrutura política.
A mudança no modelo de desenvolvimento, que já vem sendo perseguida desde 2007, consiste em realizar uma verdadeira revolução na área de pesquisa e desenvolvimento, intensificando as inovações e a incorporação das ciências e tecnologias ao processo produtivo. Os trezentos parques tecnológicos e os investimentos em ciência e tecnologia são os motores que devem fazer com que a indústria passe da produção em quantidade para a produção em qualidade. E de uma economia baseada na repetição e imitação em uma economia baseada na inovação. O que deve resultar num constante aumento da produtividade, na redução do consumo de energia e dos recursos naturais e numa diminuição da emissão de carbono e da pressão sobre o meio ambiente. E deve elevar a participação do produto nacional bruto no produto interno e reduzir seu ritmo de crescimento econômico para 7% a 6% ao ano. Sem esquecer que um crescimento de 6% sobre um PIB de US$ 13 trilhões não será muito diferente de um crescimento de 10% sobre um PIB de US$ 9 trilhões.
Alguns deduzem, daí, que a China reduzirá seus investimentos em infraestrutura. No entanto, o Congresso do PC diz que deve ocorrer o contrário. Isso porque a China precisa reconstruir os atuais povoados e cantões rurais, transformando-os em áreas urbanas modernas, com linhas de trens subterrâneos, escolas, universidades, clínicas, hospitais e outros serviços públicos, algo já em curso, para receber os 300 milhões de camponeses que devem abandonar os trabalhos agrícolas nos próximos vinte anos – o equivalente a uma e meia população brasileira – e se tornar trabalhadores de outras áreas. Aqueles investimentos, sendo de ordem social, não pressionarão as taxas de crescimento produtivo nem o ritmo anual de crescimento econômico.
Ainda segundo as indicações do 18º Congresso, a melhoria do bem-estar social não se limita a isso. Ao elevar acima da linha da pobreza mais de 800 milhões de pessoas nos últimos trinta anos e diminuir o número de pessoas abaixo da linha da pobreza, de 250 milhões, em 1990, para 26 milhões, em 2010, a China foi o primeiro país a cumprir o Objetivo de Desenvolvimento do Milênio, da ONU, cuja meta prevê reduzir pela metade o número de pobres, de 1990 até 2015. Mas a renda média per capita de US$ 5 mil continua baixa. Além disso, paradoxalmente, o país se tornou o maior mercado consumidor de luxo do mundo, colocando a descoberto uma disparidade imensa na distribuição da renda nacional. O 18º Congresso reconhece que grande parte dos chineses encontra dificuldade no acesso à educação, saúde e moradia, o que minou a estabilidade e produziu inúmeros conflitos sociais a cada ano. Diante disso, reiterou a necessidade de consolidar um sistema de equidade social que assegure ao povo iguais oportunidades de acesso ao desenvolvimento.
Tendo em vista essa necessidade, mesmo antes do Congresso do PC, o governo havia elevado a linha básica da pobreza para 2.300 yuans, aumentando para 100 milhões o número de pessoas consideradas pobres, que devem ser atendidas com prioridade pelas políticas sociais. Ao mesmo tempo, o 18º Congresso ratificou o plano de quadruplicar o produto interno per capita até 2020, em relação a 2000, de modo a reduzir as disparidades sociais, tornar o consumo interno a principal base de realização de sua produção, capacitar o país a enfrentar melhor os desequilíbrios e as crises mundiais e considerar a igualdade social a chave para vencer os desafios que emergiram depois de mais de três décadas de desenvolvimento rápido. Um dos exemplos citados para atingir essas metas é a construção, até 2015, de 36 milhões de moradias subvencionadas para famílias hoje classificadas como de baixa renda.
Quanto à ampliação e garantia da democracia, o Congresso do PC da China reiterou que deve perseverar em sua linha de descentralização, com as províncias e os municípios possuindo poderes e recursos para investir em planos de desenvolvimento social. A economia deve seguir comportando diferentes tipos de propriedade – estatal, social, privada e mista –, todas capazes de enfrentar em igualdade de condições os desafios do mercado. O sistema judiciário chinês, por seu turno, deve continuar seus esforços na consolidação do Estado de Direito, profissionalizar os juízes e realizar os julgamentos de forma transparente. A imprensa deve ampliar ainda mais as denúncias sobre irregularidades e abusos, assim como os espaços para opiniões divergentes e críticas, tendo em vista principalmente resolver os problemas sociais e combater a corrupção. Embora haja muita gente supondo que Bo Xilai encarnava uma ala esquerda dentro do birô político do PC e da municipalidade de Chongqing, o 18º Congresso ratificou a suposição de que ele parecia levantar a bandeira vermelha de Mao, mas na verdade encobria seu enriquecimento ilícito, sendo expulso do PC por essa acusação.
Em relação a todos esses aspectos prioritários, o 18º Congresso reiterou a filosofia do avanço gradual como o instrumento mais forte para realizar as mudanças projetadas para os próximos anos. Foi com essa filosofia, avessa aos choques, que a China conseguiu se tornar, no curto espaço de trinta anos, na segunda potência mundial. E é com ela que o PC, segundo seu congresso, pretende transformar o modelo de sua economia, reduzir substancialmente as disparidades sociais, ampliar a democracia e combater a corrupção atual e futura.
Diante da enormidade de todos esses desafios, a única coisa que se pode realmente afirmar sobre o novo secretário-geral do PC, Xi Jinping, e o novo primeiro-ministro, Li Kejiang, é que eles, mesmo que pudessem abster-se de se preocupar com os problemas das crises internacionais, talvez tenham de enfrentar questões tão ou mais difíceis do que as tratadas nos últimos trinta anos da história chinesa. Afinal, a falha na solução de qualquer uma delas, em especial o combate à corrupção, visto como crucial desde que a China deu início a seu programa de reforma e abertura, pode ferir de morte o PC e sua experiência de socialismo de mercado.
Wladimir Pomar é escritor e membro do Conselho de Redação de Teoria e Debate