Política

Depois do pleito de 2010, o Brasil mostra que seu sistema partidário está estável, apesar de consolidar o bipartidarismo entre PT e PSDB, e do recuo da oposição

Depois do pleito de 2010, o Brasil mostra que seu sistema partidário está estável, apesar de consolidar o bipartidarismo entre PT e PSDB, e recuo das agremiações de oposição

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Foto: Estabilidade e mudanças

Foto: Wilson Dias/ABr

O Brasil que emergiu das urnas no mês de outubro passado é muito parecido com aquele de 2006. O resultado reflete uma sensível estabilização do sistema partidário. Uma estabilidade obtida, em boa parte, graças ao padrão de interação adquirido pela disputa presidencial. Nas seis eleições desde 1989, apenas PT e PSDB estiveram presentes em todas e, a partir de 1994, esses dois partidos conseguiram imprimir uma dinâmica bipartidária ao pleito, conquistando em média 81,9% dos votos válidos. Agora, em 2010, alcançaram 79,5%.

Evidentemente, Dilma não é Lula, mas não ficou muito atrás no que se refere aos votos conquistados: foram 56,05%, contra os 60,83% de 2006. E até onde tal afirmação pode ser feita apenas com base em dados agregados, o atual presidente transferiu, de forma maciça, seu eleitorado para sua candidata. Como resultado, o mapa bicolor (vermelho/azul) do país é praticamente o mesmo nos dois momentos: agora, como há quatro anos, o PT venceu em 16 Unidades da Federação e o PSDB em 11. O quadro só não é idêntico porque desta vez os petistas ganharam no Distrito Federal, que em 2006 havia ficado com Alckmin; mas em compensação perderam no Espírito Santo, que agora votou majoritariamente em Serra. A destacar também a reação do PT no Rio Grande do Sul, onde Lula havia perdido de muito em 2006; as urnas abertas em 31 de outubro registraram um quase empate, com 50,94% dos votos válidos para o candidato do PSDB.

Mas, como é sabido, o “bipartidarismo” da disputa presidencial não se espraia para os demais níveis da competição partidária no Brasil. No caso do Congresso, que aqui interessa mais de perto, entram em ação outros fatores, responsáveis pela manutenção de um elevado número efetivo de partidos legislativos. E o “vilão”, no caso, não é apenas o sistema de representação proporcional. O fato é que na ausência de um sistema partidário nacionalmente estruturado – ou seja, em um sistema onde a força dos partidos varia, e muito, a depender do estado –, mesmo uma casa como o Senado, eleita com base em um sistema majoritário, permite o ingresso de um grande número de partidos. Nossa câmara alta terá, em 2011, nada menos do que 15 legendas e um número efetivo de partidos nunca igualado: 7,6. A Câmara dos Deputados não deixou por menos; bateu seu recorde e em 2011 abrigará 22 siglas, gerando um número efetivo igual a 10,8. Como diria Lula, nunca antes neste país houve tamanha fragmentação no Congresso Nacional.

A alta taxa de fragmentação, como vários autores já cansaram de argumentar, não tem impedido o presidencialismo brasileiro de funcionar, mas obriga os presidentes eleitos a incorporar muitos partidos em suas coalizões, ampliando as concessões a serem feitas e tornando mais complexo o trabalho de coordenação da base legislativa no Congresso. Com Dilma não será diferente, mas a presidenta eleita, pelo menos em princípio, trabalhará em melhores condições que Lula.

<--break->Por um lado, aprofundando a tendência observada em 2006, a oposição teve sua força reduzida nas urnas. A situação, analisada em perspectiva, se revela mais complicada para o Democratas (DEM), que nunca se saiu tão mal nas eleições para o Congresso. O partido, que entre 1986 e 2006 conquistou em média 21% das cadeiras em disputa no Senado, desta vez teve de se contentar com apenas 3,7% das vagas. Na Câmara o DEM elegeu 8,4% dos deputados, bem abaixo de seu desempenho médio no período citado acima – 16,5%.

Os recordes da Câmara: em 2011 serão 22 siglas e os apoiadores de Dilma ocuparão 311 cadeiras |Foto: Rodrigues Pozzebom/ABr

O recuo tucano foi consideravelmente menor. No Senado o partido conquistou 9,3% das vagas em disputa em 2010, enquanto a média para o período 1990-2006 foi de 16,5%. Na Câmara a média foi de 14% das cadeiras: para o próximo período legislativo, o partido garantiu 10,3% das vagas. Além de menor, o recuo do PSDB, ao contrário do que aconteceu com o DEM, foi compensado pelo excelente desempenho nas eleições para os governos estaduais. Ainda que o acúmulo de forças nos estados não se reverta em maior poder de fogo no Congresso – como se sabe, a tese de que os governadores controlam “suas” bancadas não possui sustentação empírica –, o crescimento de 6 para 8 governadores, e em especial a manutenção de São Paulo e de Minas Gerais, contribui para que a legenda tenha acesso a recursos importantes para a travessia de mais um período na oposição.

Por outro lado, a coligação eleitoral que sustentou a presidenta eleita conquistou 311 cadeiras na Câmara (60,6%) e 38 no Senado (70,5%). Considerando os senadores remanescentes – que possuem mandato até 2014 –, os partidos coligados contarão com 49 votos na Casa (60,5%). Embora os partidos de esquerda (PT, PSB, PDT e PCdoB) tenham crescido em relação a 2006, seu desempenho ficou um pouco abaixo do revelado pelos seus parceiros de centro-direita (PMDB, PR, PRB, PSC e PTC). Enquanto o primeiro bloco conquistou 28,4% das vagas na Câmara e 31,5% no Senado, o segundo elegeu 32% dos deputados e 38,9% dos senadores.

Não obstante, analisados os partidos isoladamente e considerando-se o resultado global das eleições, é correto dizer que PT e PSB se saíram melhor que seus aliados. Os petistas conseguiram reeditar, nas duas Casas, o desempenho de 2002, depois de sofrerem um recuo sensível em 2006. Além disso, recuperaram estados importantes, como o Distrito Federal e o emblemático Rio Grande do Sul. O crescimento do PSB foi menor no Congresso, mas o partido foi muito bem-sucedido em sua estratégia de firmar-se nas disputas majoritárias no Nordeste – junto com o PT, o partido é diretamente responsável pelo definhamento do DEM naquela que até poucos anos atrás era sua principal base eleitoral. Os socialistas conquistaram 4 dos 9 governos da região, além de no cômputo geral saírem das urnas como a segunda legenda em número de governadores eleitos (6). O PMDB, por sua vez, saiu das urnas menor do que entrou. Manteve a bancada no Senado, mas perdeu deputados e governadores – neste último caso, se a comparação for feita com 2002, o recuo foi maior no Sul, região onde o partido havia eleito os três governadores.

<--break->Fidelidade da base governista

Voltemos ao Congresso. Como sua coligação eleitoral obteve maioria qualificada nas duas Casas, Dilma teria duas opções para a montagem do governo. Seria possível trabalhar com uma coalizão mais enxuta do que a atual, abrindo mão dos partidos que se colocam mais à direita – o PP e o PTB. O primeiro só apoiou a petista no segundo turno e o segundo integrou a chapa de Serra. Fossem os partidos brasileiros dotados de um grau de disciplina semelhante ao verificado nos países parlamentaristas, não haveria o que discutir. Não se justificaria a expansão da base aliada para além da coligação eleitoral e o governo poderia trabalhar com um ministério mais homogêneo do ponto de vista ideológico. O problema é que as contas podem não fechar e o número de deputados e/ou senadores dispostos a bancar o governo pode se revelar menor do que a soma das bancadas leva a crer. De acordo com os dados disponibilizados pela literatura para o período que se estende desde o início dos anos 1990Unknown Object, apenas os deputados do PT e do PCdoB apresentam uma taxa média de disciplina acima de 95%. No caso do PSB e do PDT a lealdade ao partido fica em torno de 90%, enquanto no PR e no PMDB, 15% dos deputados costumam não seguir o líder – comportamento que pode se esperar para o PSC e o PRB, partidos para os quais não se possuem informações sistematizadas. No Senado, a taxa de disciplina do PDT cai a 85% e a do PMDB, a 83%.

A possibilidade de defecções, somada a eventuais dificuldades na mobilização dos legisladores, é o que faz com que se possa pensar em conservar a base aliada nos moldes atuais, trabalhando com uma coalizão superdimensionada: a manutenção do PP e PTB fará com que a base do governo na Câmara chegue a 373 deputados (72,7%) e a 60 senadores (74%). Como não existe apoio gratuito e como não são necessários mais do que 60% dos votos para tocar a agenda presidencial, qualquer que seja ela, torna-se evidente que a segunda opção traz consigo, no mínimo, um componente de ineficácia. Mais ampla e mais heterogênea a coalizão, maiores as chances de que os problemas daí advindos ultrapassem a vantagem representada pela folga numérica.

Seja como for, retomando as palavras iniciais deste texto, o quadro geral é de estabilidade. Uma estabilidade, é claro, à brasileira – sujeita a chuvas e trovoadas ocasionais. Entre as questões que o resultado das urnas deixa em aberto três merecem ser citadas, ainda que não seja possível discuti-las neste momento. Em primeiro lugar, trata-se de saber se, no plano da disputa presidencial, o resultado obtido por Marina Silva indica a possibilidade de que seja rompida a polarização PT/PSDB já em 2014. Em segundo, será preciso aguardar como se desenvolverá a disputa interna no PSDB. E finalmente cabe perguntar o que será do DEM, transformado em partido de porte médio, sem possibilidade de nova “refundação” e às voltas com sérias divergências internas.

Carlos Ranulfo é professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais