Internacional

Temos pela frente um governo que não é estritamente de direita tradicional. Sebastião Piñera não vai introduzir mudanças radicais

No dia 16 de janeiro, o Chile viveu um terremoto político; 45 dias depois, foi sacudido por um movimento sísmico de enorme intensidade. Tentaremos desenvolver aqui algumas ideias sobre as razões do triunfo da direita encabeçada por Sebastián Piñera.

O balanço da Concertação e seus vinte anos de governo ainda está em processo. Não é um balanço simples – pessoalmente espero entregar, no decorrer das próximas semanas, algumas reflexões mais detalhadas que possam contribuir para essa discussão. Em todo caso, não compartilho de uma afirmação que está na moda: a Concertação é a coalizão mais bem sucedida da história do Chile. Não há dúvidas de que a Concertação – com suas duas décadas de governo – é a coalizão mais longeva da história do país; isso está fora de discussão, é um fato. Também é evidente que cumpriu seu objetivo fundamental: derrotar Pinochet e abrir caminho para uma transição pacífica à democracia. A meu ver, seria extremamente cego e mesquinho não reconhecer esse fato como uma conquista histórica da Concertação. Mas não vejo como evidente que a Concertação – na perspectiva histórica, olhando para os duzentos anos de vida republicana – tenha marcado a configuração estrutural do país de forma muito profunda.

Mesmo com todas as suas traições, vacilações, com sua instabilidade, a Frente Popular, que governou o Chile entre 1938 e 1952, talvez tenha marcado mais o desenvolvimento posterior do país do que a Concertação governando de 1990 a 2010.

As condições da derrota devem, necessariamente, combinar explicações de conjuntura com fatores de longo prazo. A derrota é certamente multifatorial e deve ser entendida em perspectiva de processo. Aquele que propuser um único fator estará oferecendo uma explicação francamente inaceitável.

De qualquer forma, da coleção de argumentos que circulam, há em Arquivo Pessoal minha opinião três que são fundamentais. Primeiro, o que diz respeito à regressão democrática. A eleição democrática da liderança presidencial estava no DNA da Concertação. Foi a grande batalha de 1992-1993, foi o grande sucesso de Ricardo Lagos e de toda a Concertação em 1999. Um milhão e meio de pessoas votaram para que Ricardo Lagos pudesse ser candidato à Presidência.

Posteriormente, em 2005 tudo foi estruturado para que a eleição presidencial se resolvesse em primárias com amplos debates. O que vimos em 2009 foi completamente diferente. Foram primárias restringidas, nas quais ficava claro fi nalmente que não deveria haver primárias e era necessário ungir rapidamente o ex-presidente Frei como candidato para um novo período presidencial.
A segunda questão que considero importante pôr em discussão é o que eu chamaria de enfraquecimento da capacidade de transformação da Concertação e a legitimação de instituições herdadas do regime militar. Para citar um exemplo, durante esse período o Banco Central se legitimou não só como estrutura autônoma – o que considero positivo –, mas também como instituição “unipropósito”, vinculada única e exclusivamente à defesa contra a infl ação. Não estou de acordo com esse papel para o Banco Central. Também não estou de acordo com a legitimação da medicina privada não como complemento do sistema de saúde, mas como um pilar que está sendo cada vez mais fundamental na organização do sistema de saúde do país. Não estou de acordo com a capitalização individual e com as administradoras dos fundos de pensão como eixo ordenador do sistema previdenciário no Chile. Há um forte esgotamento da capacidade de transformação e uma erosão dos pilares públicos, necessários para construir uma sociedade mais democrática. Nesse ponto, o balanço da Concertação é complexo, e devemos revisá-lo criticamente.

Isso levou a Concertação – em especial nos últimos anos – a entrar em conflito com praticamente todos os setores organizados da sociedade chilena: os trabalhadores do setor público, da saúde primária, os trabalhadores terceirizados da Corporação Nacional do Cobre do Chile (Codelco), os professores, os estudantes e os universitários. É quase como se, deliberadamente, tivesse sido aplicada uma estratégia sistemática de ruptura da frente que possibilitou um movimento democrático tão vigoroso no início dos anos 1980, que foi capaz de derrotar Pinochet.

O caráter estrutural desses fatores – seria possível argumentar – fazia com que a derrota tivesse um quê de inevitável. No entanto, isso entra em contradição com os 56% que obtiveram em conjunto as três candidaturas de centro-esquerda (Eduardo Frei, Marco Enríquez-Ominami e Jorge Arrate) no primeiro turno eleitoral. Assim, para além dos fatores estruturais, a derrota poderia ter sido evitada. Poderia ter sido evitada com a realização de eleições primárias mais condizentes com aquilo que havia sido a tradição da Concertação. Poderia ter sido evitada também com um acordo republicano, que estabelecesse uma lista única parlamentar acertada de antemão e segundo o qual os três candidatos da centro-esquerda aceitassem que aquele que chegasse no segundo turno receberia automaticamente o apoio dos outros dois.

Nada disso ocorreu e, dessa forma, as lideranças concertacionistas adubaram o terreno para que a direita pudesse, pela primeira vez desde 1958, ganhar uma eleição presidencial.

E agora?

A condição-chave para estabelecer uma Oposição vigorosa é entender que o que temos à frente não é estritamente um governo de direita tradicional. Estaremos nos enganando, e muito, se pensarmos assim. Erram aqueles que fazem da defesa do legado desses vinte anos a tarefa fundamental das forças de oposição. Esse legado basicamente não estará em questão, e me parece que, por mais maquiada que possa estar a proposta tributária feita pelo presidente Piñera, mostra que as coisas avançam por caminhos que são mais complexos e sofisticados.

Sebastián Piñera quer mudar coisas, quer privatizar o que resta e quer também melhorar a gestão, mas não vai introduzir mudanças radicais. Nesse sentido, o governo de Piñera pode acabar sendo bastante parecido com o que poderia ter sido um quinto governo da Concertação.

Apesar do exposto, das asperezas, dos conflitos e da dureza dos debates que protagonizamos em 2009 e com toda certeza continuaremos protagonizando este ano, existem condições para sentar as bases de uma oposição que volte a recuperar a maioria no Chile. Precisamos de uma nova maioria no país, e isso requer: uma explicação – talvez não de consenso, mas ao menos plausível – sobre o que foi que aconteceu conosco; formalizar bases programáticas comuns, que permitam mostrar que somos uma alternativa; junto com isso, devemos pensar em um novo modelo de coalizão ampla, com um programa comum, mas com a capacidade de que cada um de seus integrantes possa competir com suas ideias. Para tanto, precisamos ir constituindo desde já um acordo que nos permita enfrentar em conjunto a próxima disputa eleitoral, em outubro de 2012. Aspiro a que sejamos capazes de construir uma nova maioria que, com candidatos únicos eleitos em primárias, possa recuperar parte dos governos locais perdidos nas eleições de 2008, além de criar as condições para alcançar a vitória nas presidenciais de 2013.

Tradução de Celina Lagrutta

Carlos Ominami é presidente honorário da Fundação Chile 21