Mundo do Trabalho

O que está acontecendo com o sindicalismo brasileiro?

Unidade quando necessário

A decisão da Corrente Sindical Classista (CSC) de sair da CUT não é sindical, mas partidária. O PCdoB e a CSC não participaram da fundação da central, em 1983, pois defendiam que atuássemos dentro da estrutura sindical oficial para democratizá-la. Em 1989, o Comitê Central do partido decidiu fortalecer a aliança em torno da candidatura Lula à Presidência da República e, como consequência, a unidade dos trabalhadores dentro da CUT.

No auge da crise pela qual passamos no país e especialmente no PT, em 2005, o PCdoB, apostando na reeleição de Lula e considerando que o PT seria derrotado - o que não ocorreu - avaliou que tinha de ganhar maior visibilidade. A situação se agravou com a disputa pela presidência da Câmara, resultando na vitória de Arlindo Chinaglia (PT) sobre Aldo Rebelo (PCdoB), que tentava a reeleição. Com isso as relações entre os partidos foram afetadas e o PCdoB, olhando para 2008, resolveu lançar candidatura própria nas principais cidades do país. Também decidiu montar o chamado bloco de esquerda (PDT, PSB, PCdoB) para construir uma candidatura à sucessão de Lula em 2010. Essas decisões tiveram repercussão na área sindical e o partido resolveu que sua corrente CSC deve constituir uma central própria. A saída da CSC é mais uma decisão partidária com vistas às eleições 2008 do que um problema sindical.

Nossas divergências com os companheiros da CSC são históricas do ponto de vista de princípios. Defendemos liberdade e autonomia, fim do imposto sindical, fim do poder normativo da Justiça do Trabalho. Eles defendem a manutenção da estrutura. Mas essas divergências podem ser sanadas como aconteceu por ocasião do debate da reforma sindical, quando construímos unidade das centrais e das esquerdas.

Estamos vivendo uma reorganização do movimento sindical. Também os sindicalistas do PSIU (Conlutas) se retiraram da CUT, para se diferenciar na relação como governo Lula. Numa conjuntura em que temos um governo democrático-popular, há busca por espaços de auto-afirmação. É mais fácil criar uma organização para atacar o governo do que trabalhar para manter a independência e autonomia da central. É preciso ter muita clareza dos projetos políticos em disputa na sociedade e ter cuidado para não fazer o jogo da direita.

A maturidade do movimento sindical tem demonstrado que quando o assunto é o interesse geral da classe trabalhadora, mesmo com diferenças de concepção entre a CUT e demais centrais, temos construído unidade com grande parte delas.

A CUT sempre defendeu uma reforma que mude a estrutura do sindicalismo brasileiro e tenha como eixo a liberdade e a autonomia sindicais - são os próprios trabalhadores que devem decidir sobre sua forma de organização e financiamento da estrutura sindical. O fato de reconhecer as centrais é um primeiro passo. Outras reformas, mais profundas, são necessárias, como a garantia da organização por local de trabalho, o fim do imposto, a regulamentação de uma contribuição da negocia-cão coletiva para que os sindicatos possam sobreviver - aprovada em assembléia por trabalhadores sócios e não sócios - e principalmente uma legislação que proíba as práticas anti-sindicais. Ainda há no Brasil empresas e gestores públicos que perseguem dirigentes sindicais, inibem a atividade sindicalista e até assassinato de lideranças.

Artur Henrique da Silva Santos, presidente Nacional da CUT

Unidade quando necessário

A decisão da Corrente Sindical Classista (CSC) de sair da CUT não é sindical, mas partidária. O PCdoB e a CSC não participaram da fundação da central, em 1983, pois defendiam que atuássemos dentro da estrutura sindical oficial para democratizá-la. Em 1989, o Comitê Central do partido decidiu fortalecer a aliança em torno da candidatura Lula à Presidência da República e, como consequência, a unidade dos trabalhadores dentro da CUT.

No auge da crise pela qual passamos no país e especialmente no PT, em 2005, o PCdoB, apostando na reeleição de Lula e considerando que o PT seria derrotado - o que não ocorreu - avaliou que tinha de ganhar maior visibilidade. A situação se agravou com a disputa pela presidência da Câmara, resultando na vitória de Arlindo Chinaglia (PT) sobre Aldo Rebelo (PCdoB), que tentava a reeleição. Com isso as relações entre os partidos foram afetadas e o PCdoB, olhando para 2008, resolveu lançar candidatura própria nas principais cidades do país. Também decidiu montar o chamado bloco de esquerda (PDT, PSB, PCdoB) para construir uma candidatura à sucessão de Lula em 2010. Essas decisões tiveram repercussão na área sindical e o partido resolveu que sua corrente CSC deve constituir uma central própria. A saída da CSC é mais uma decisão partidária com vistas às eleições 2008 do que um problema sindical.

Nossas divergências com os companheiros da CSC são históricas do ponto de vista de princípios. Defendemos liberdade e autonomia, fim do imposto sindical, fim do poder normativo da Justiça do Trabalho. Eles defendem a manutenção da estrutura. Mas essas divergências podem ser sanadas como aconteceu por ocasião do debate da reforma sindical, quando construímos unidade das centrais e das esquerdas.

Estamos vivendo uma reorganização do movimento sindical. Também os sindicalistas do PSIU (Conlutas) se retiraram da CUT, para se diferenciar na relação como governo Lula. Numa conjuntura em que temos um governo democrático-popular, há busca por espaços de auto-afirmação. É mais fácil criar uma organização para atacar o governo do que trabalhar para manter a independência e autonomia da central. É preciso ter muita clareza dos projetos políticos em disputa na sociedade e ter cuidado para não fazer o jogo da direita.

A maturidade do movimento sindical tem demonstrado que quando o assunto é o interesse geral da classe trabalhadora, mesmo com diferenças de concepção entre a CUT e demais centrais, temos construído unidade com grande parte delas.

A CUT sempre defendeu uma reforma que mude a estrutura do sindicalismo brasileiro e tenha como eixo a liberdade e a autonomia sindicais - são os próprios trabalhadores que devem decidir sobre sua forma de organização e financiamento da estrutura sindical. O fato de reconhecer as centrais é um primeiro passo. Outras reformas, mais profundas, são necessárias, como a garantia da organização por local de trabalho, o fim do imposto, a regulamentação de uma contribuição da negocia-cão coletiva para que os sindicatos possam sobreviver - aprovada em assembléia por trabalhadores sócios e não sócios - e principalmente uma legislação que proíba as práticas anti-sindicais. Ainda há no Brasil empresas e gestores públicos que perseguem dirigentes sindicais, inibem a atividade sindicalista e até assassinato de lideranças.

Artur Henrique da Silva Santos, presidente Nacional da CUT


Divisão não interessa ao trabalhador

O reconhecimento legal das centrais virá coroar um processo de acúmulo de organização e consciência em que a classe trabalhadora ergueu, com base em sua experiência, instrumentos que conseguiram romper obstáculos políticos, culturais e ideológicos, ampliaram os marcos da ação sindical e possibilitaram seu fortalecimento no processo de disputa de hegemonia e construção de uma nova sociedade.

Considero que a legalização das centrais não está dada e que é preciso ampliar a pressão para garantir que o acordo firmado com o governo seja cumprido, uma vez que foi descaracterizado pela direita na Câmara. Não podemos ser ingênuos, pois detrás dos parlamentares do PPS e do PSDB, proponentes das emendas, encontra-se a mão do capital, que busca matar à míngua as entidades para assaltar direitos. Portanto, defendemos o custeio das entidades durante a fase de transição do atual modelo de sustentação financeira para o novo, com a implantação da taxa negociai.

Nossa central foi fundada com uma ampla junção de correntes em meio a greves, passeatas e mobilizações contra o regime ditatorial. É um exemplo rico e vitorioso que galvanizou experiências do campo e da cidade, irradiando esperança pelo país. Com a eleição de Lula, devido a uma posição eminentemente partidária, alguns agrupamentos saíram da CUT, com militantes do PSIU e do PSol fomentando divisões que não interessam ao trabalhador. Afinal, uma central deve buscar a representação do conjunto. Quem representa a parte é o partido, daí o nome. Tenho esta como uma premissa básica: nossa central vai além de governos ou partidos, transcende, dialoga com o ideal libertário da esquerda, em seu programa, suas reivindicações, sua visão de mundo. É um desserviço à causa trazer para dentro das entidades sindicais as disputas partidárias. Precisamos aprender com a história: o sectarismo conduz ao gueto e o isolamento à derrota.

Também não aceito o argumento utilizado pelo esquerdismo de que a CUT deixou de encaminhar as lutas porque Lula é o presidente. Isso afronta a própria realidade, já que a grande maioria das mobilizações e greves do funcionalismo e das estatais tem sido comandada por entidades cutistas, que, praticando o princípio de liberdade e autonomia, não se enquadram pela lógica de governos. Agora, o que a CUT não poderia fazer e nunca fará é uma análise ao sabor de correntes que ainda não conseguiram ver a dimensão das mudanças em curso, o que inclusive as impede de contribuir para o avanço e a ruptura das limitações. Os eventuais erros que possam ter ocorrido na condução da CUT não justificam a criação de uma nova central. Mais recentemente, os companheiros da CSC, pelos quais tenho enorme respeito, também decidiram sair da CUT, o que considero um equívoco, pois em nada contribui para o movimento.

Sou defensor de uma recomposição orgânica com quem decidiu trilhar novos caminhos e aposto numa atuação conjunta enquanto buscamos o norte comum. Não há outro jeito. Unir e somar forças é decisivo, como nas Marchas da Classe Trabalhadora, para não fazermos o jogo do inimigo. A vida é dura. Ignorar ou desconhecer o conservadorismo do Congresso Nacional ou o reacionarismo da mídia em nada contribuirá para a construção de um novo modelo de desenvolvimento, que gere emprego, distribua a renda e valorize o trabalho e o trabalhador.

João Antonio Felício, secretário Sindical Nacional do PT e de Relações Internacionais da CUT

Divergências de concepções

O sindicalismo vive ainda uma crise decorrente da derrota do "socialismo real", a reestruturação produtiva e a ofensiva neoliberal, que influenciou a subjetividade da classe trabalhadora. Com a eleição e a reeleição de Lula, vivemos um momento de recomposição sindical no Brasil, que também reflete mudanças no cenário político da América Latina. A criação de uma central classista está associada aos desafios deste novo momento.

A fragmentação na cúpula do sindicalismo nacional teve início com o fracasso e a dissolução da Conclat, seguida da criação da CUT, em 1983, da Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), em 1986, da Força Sindical, em 1991, da Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), CGT, SDS e CAT, fundidas na União Geral dos Trabalhadores (UGT). Hoje, o pluralismo é um fato, a unicidade ainda prevalece nas bases. A divisão no interior da CUT é o resultado da evolução de divergências de concepções não só ideológicas e políticas (sindicalismo cidadão versus sindicalismo classista, por exemplo), mas em especial no tocante à organização (em relação à unicidade) e à democracia sindical. A conduta da força majoritária na CUT é orientada pela hegemonia, que se traduz no fechamento de espaços de poder e representação para as outras correntes que atuam na central. Tudo isso tem a ver com o esvaziamento da CUT, da qual se afastaram os sindicalistas que hoje formam a Conlutas e a Intersindical, a CSC, a SSB (corrente ligada ao PSB) e lideranças independentes, sobretudo dirigentes de importantes federações do campo. O universo da CUT acabou restrito às correntes internas do PT, o que deveria motivar uma reflexão mais séria e profunda dos cutistas.

Problemas na relação com o governo Lula tiveram seu peso, porém não constituem o fator determinante da fragmentação, que já era fato antes de 2002. Creio que é fundamental manter a autonomia e a independência do movimento sindical em relação ao governo, aos partidos, aos credos religiosos e aos patrões. Na reforma da Previdência, promovida no primeiro governo Lula, a autonomia da CUT ficou comprometida e isso prejudicou seriamente a imagem da central.

A unidade do conjunto do movimento sindical brasileiro (não apenas da esquerda) é indispensável para derrotar a ofensiva neoliberal, que ainda persiste, e avançar na luta por um novo projeto de desenvolvimento nacional, fundado na soberania e na valorização do trabalho. Por isso, a unidade é um objetivo e um ideal do qual não devemos abrir mão. Pensamos que é possível alcançá-la e defendemos uma proposta concreta nesse sentido, que é a realização de uma nova Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat) para debater o tema e eleger uma mesa coordenadora para encaminhar lutas unitárias em torno de bandeiras comuns (projeto de desenvolvimento, redução de jornada, salário mínimo, defesa dos direitos, entre outras).

A legalização das centrais é um avanço e terá impactos positivos para o sindicalismo brasileiro, embora não seja remédio para todos os nossos males. É necessário promover mudanças, tanto no âmbito da legislação quanto nos métodos e práticas sindicais, visando à democratização das entidades (nos pleitos e gestões) e à maior participação das bases na vida sindical.

Wagner Gomes, presidente do Sindicato dos Metroviários de São Paulo

CUT sofre defecções

O sindicalismo brasileiro vem passando, como em outras épocas, por um processo de reordenamento político - organizacional. Por um lado, isso se deve aos desacordos e tensões já históricos entre algumas de suas forças internas. Por outro, tendo em vista a reorganização sindical proposta pelo governo a partir do Fórum Nacional do Trabalho (FNT), por meio da chamada "reforma sindical", venha ela no atacado, como era a proposta original. venha no varejo, como parece ser a estratégia recente, muitas forças buscaram se adequar. Nesse sentido, variam posicionamentos que vão desde o ideológico até o mais negocial, que mira apenas acesso a recursos.

Ao longo de nossa história recente sempre existiram várias centrais, algumas de peso, outras de pouca expressão. No reordenamento atual, vemos que setores que antes eram representativos de algumas das grandes confederações, em busca de ocupar esse novo espaço, articulam-se como uma central sindical, credenciando-se ao acesso de recursos que serão destinados em breve a esse tipo de organização. Um dado novo é que a CUT vai sofrendo defecções. Já anteriormente, alguns setores foram se alinhar na Conlutas, que não tem participado desse processo de reconhecimento das centrais. Agora, sai a CSC. Cada uma a sua maneira, ambas deixaram a CUT criticando-a por certa paralisia frente ao que seriam políticas contrárias aos interesses dos trabalhadores.

Muitos fatores pesaram em tal processo. No caso da CUT, isso é bastante sensível. Mas não devemos esquecer que as tensões foram se acumulando ao longo do tempo, baseadas em divergências acerca, por exemplo, da democracia interna e das articulações internacionais. Mas, como as experiências em outros países, a chegada ao poder de um partido do corte do PT e de militantes sindicais abriu sérios questionamentos sobre a forma pela qual o sindicalismo deveria atuar frente a esse governo. Na prática, na CUT, isso promoveu suas primeiras divisões importantes em muitos anos de unidade.

Sim, temos experiências tanto de muitas divisões como de recomposições. Mas, talvez, no curto prazo não. Isso vai depender, por exemplo, da conjuntura e da capacidade de formulações de projetos de ação conjunta. Há vários exemplos, mesmo na história recente de nosso sindicalismo, em que, para além das divergências, os setores de esquerda construíram projetos sindicais unitários. Deve-se pensar também que pode haver unidade em um mesmo organismo ou unidade entre organismos.

Ao reconhecimento associa-se uma série de medidas que normatizam a existência das centrais no país —como aferição de representatividade, estabelecimento de patamar mínimo de filiação e dotação financeira —, definindo suas atribuições e prerrogativas. A passagem do reconhecimento político, do qual as centrais já dispunham, para o reconhecimento jurídico, obviamente vai implicar direitos e deveres. Para alguns, isso pode limitar a organização e as ações das centrais; para outros, é um passo fundamental para a mudança da estrutura sindical. De todo modo, devemos lembrar que os trabalhadores sempre articularam movimentos por dentro e por fora das limitações legais, quando se viram prejudicados por elas.

Marco Aurélio Santana, professor de Sociologia do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da UFRJ