Política

Com a eleição de Eduardo Campos, da Frente Popular, ao governo de Pernambuco, tem início uma fase de grandes investimentos, alguns já assegurados pelo governo federal

A vitória de Eduardo Campos (PSB) com mais de 1,2 milhão de votos sobre Mendonça Filho (PFL) vai além da substituição de inquilino no Palácio do Campo das Princesas. Representa o fim da dominação política da União sobre Pernambuco, aliança entre o PMDB ligado a Jarbas Vasconcelos e facções conservadoras do PFL lideradas por Marco Maciel.

Eduardo Campos obteve no segundo turno 2,3 milhões de quase 4,7 milhões de votos apurados. Mais de 65% dos válidos. Suplantou o adversário em todas as doze microrregiões, com folga. O menor índice foi 61%, na região metropolitana do Recife, o maior, 79%, no sertão do Araripe. Venceu em 171 dos 184 municípios, em alguns com mais de 90% dos sufrágios. Dos catorze municípios da região metropolitana, o Recife deu a Mendonça Filho 43%. Um feito extraordinário para quem somou no segundo turno votação menor que no primeiro: 35% contra 39%. Isso foi possível porque a legenda de Campos – a Frente Popular (PSB, PL, PDT, PP, PSC) – aglutinou no segundo turno um feixe de dezoito partidos, que elegeram dezesseis dos 25 deputados federais de Pernambuco: o PT, cinco; o PSB, três; o PTB, três; e PDT, PL, PP, PCdoB e PSC, um, cada um. Aos adversários, restaram nove cadeiras, assim distribuídas: três do PMDB, três do PFL, duas do PSDB e uma do PPS. O PFL foi o grande perdedor. Elegera nove deputados federais em 2002. Alguns d bandaram, enquanto históricos pefelistas, como Osvaldo Coelho e Joaquim Francisco, perderam o mandato.

O desfecho eleitoral de 2006 remonta à década de 1950, quando foi construída a Frente do Recife (comunistas, socialistas, católicos e democratas) e, mais tarde, a Frente Popular, que agregou coronéis do velho Partido Social Democrático (PSD) para levar Miguel Arraes ao governo e derrotar o sumo do conservadorismo pernambucano: usineiros e proprietários rurais da zona canavieira, apesar da ajuda em dólares do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad).

O golpe de 1964 interrompeu esse processo. Fiéis aliados dos militares, amparados na “doutrina de segurança nacional”, controlaram a máquina pública, vitalizando a Arena, o PDS e o PFL, sucessivamente. O contraponto veio de jovens políticos que resistiram escudados no MDB. Entre tantos, Jarbas Vasconcelos. Com o retorno dos exilados, a Frente Popular volta ao poder em 1986, com Miguel Arraes, um ano depois de Jarbas ser eleito prefeito do Recife. A unidade das forças de esquerda manteve-se aos solavancos, em surda disputa hegemônica entre os dois. Nessa época emergira o PT e sua proposta partidária inovadora. A Frente Popular, sem o PT, perdeu para o PFL a Prefeitura do Recife e o governo do Estado, em 1988 e 1990.

O rompimento formal entre Arraes e Jarbas deu-se em 1992, ano em que Eduardo Campos tentou a Prefeitura do Recife, pelo PSB. Jarbas foi eleito, recompondo-se da derrota, em 1990, quando Joaquim Francisco se elegeu governador. Jarbas culpou Arraes pelo insucesso eleitoral.

Estava aberto o caminho para a formação da União por Pernambuco, cujo momento simbólico ocorreu em 1993, na “casa-grande” da fazenda do deputado José Mendonça, pai de Mendonça Filho. O primeiro embate do novo arranjo partidário foi em 1994, com Gustavo Krause (PFL) sendo derrotado por Arraes (PSB), agora apoiado pelo PT. Dois anos depois, todavia, consolida-se a União por Pernambuco com a vitória de Roberto Magalhães (PFL), a quem Jarbas Vasconcelos (PMDB) passa o bastão de prefeito do Recife.

Essa aliança revigora as forças conservadoras ancoradas no PFL, antes decadente, apesar de Marco Maciel ocupar a Vice-Presidência da República. A União por Pernambuco montou,então, eficiente cerco ao governo de Miguel Arraes, numa época marcada por grave crise fiscal do estado. Eficiente e eficaz, a ponto de forçá-lo a recorrer à heterodoxa operação de empréstimo para contornar o desequilíbrio financeiro das contas estaduais. No plano eleitoral, os unionistas impuseram-lhe amarga derrota. Mais de 1 milhão de votos, em 1998, quando Jarbas e Mendonça Filho fizeram-se governador e vice, em coalizão que parecia fadada a ter longa vida.

Não foi assim, porém. Em 2000 o PT e o PCdoB ganharam com João Paulo e Luciana Santos as prefeituras do Recife e de Olinda. Mesmo assim, a dupla Jarbas/ Mendonça foi reeleita em 2002, embalada nos milhões de reais provenientes da venda da estatal de energia elétrica, o que permitiu investimentos fortes em obras rodoviárias de grande visibilidade. Nesse período, a União agregou o PSDB, chefiado pelo senador Sérgio Guerra, um ex-auxiliar de Arraes, que atraiu chefes políticos antes vinculados ao PSB. Até aqui temos a origem e ascensão da aliança PMDB-PFL-PSDB. Daqui em diante, resume-se o conjunto de fatores imediatos responsáveis pela derrocada da União por Pernambuco, conquanto Jarbas Vasconcelos tenha sido eleito senador com 56% dos votos válidos, frustrantes face às pesquisas de intenção de voto.

O malogro começa com a divisão da União por Pernambuco em duas vertentes. Dissidência chefiada por Armando Monteiro Neto, deputado e presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), reuniu no PTB deputados federais num ensaio de “terceira via” estadual. Em outro flanco, o deputado Inocêncio Oliveira, então do PFL, se fez chefe local do PL, depois de longo tempo à sombra de Marco Maciel.
Com dois candidatos oposicionistas competitivos, criou-se emulação no eleitorado. Quem irá ao segundo turno: Humberto Costa ou Eduardo Campos? Emulação sem hostilidade. E mais: o apoio dos dois a Lula – de cujo governo foram ministros – selava a unidade das duas legendas (Frente Popular e Melhor para Pernambuco) na percepção do eleitor.

A vaga de senador seria de Jarbas, dizia-se. A boa avaliação de seu governo e o carisma pessoal levariam Mendonça Filho à vitória. A estratégia fundamental foi colocar Jarbas como figura central da campanha da União, a ponto de, no final da propaganda eleitoral gratuita, Jarbas ainda tentar colar seus votos a Mendonça, num apelo semelhante ao bem-sucedido jargão usado por Arraes, em 1986, para eleger senadores de pouca densidade eleitoral. “Faça como todos nós – vote nos dois, Mansueto e Farias”, falava Arraes. Jarbas o imitou: “Faça como eu – vote em Mendonça, 25”. Não deu certo.

Adotou-se, também, a estratégia de desestruturar a candidatura de Humberto Costa (PT), fragilizado no decorrer da campanha pelo indiciamento no processo da chamada “operação vampiro”. Conseguiram em parte. Mas alargaram o fosso entre o eleitor de Humberto e o de Mendonça. Mal findou a apuração do primeiro turno, Humberto arrastou a militância, magoada pelas agressões da União, ao apoio firme a Eduardo Campos. A ida de Eduardo ao segundo turno começou, porém, nas bases do PSB no interior. Fortaleceu-se, depois, pela incorporação de Inocêncio Oliveira, senhor de muitos votos no agreste e sertão, e do PDT, com influência no agreste, a partir de Caruaru, maior cidade interiorana e terra natal de João Lyra Neto, o vice de Campos. A mesma estratégia, aliás, usada por Arraes: dividir o adversário e contemplar na chapa majoritária a componente geográfica.

O PSB era o contraponto ao poderio do PFL-PMDB-PSDB, mercê de ligações históricas soldadas nos governos de Arraes. Morto em 13 de agosto de 2005, após lenta agonia hospitalar, acompanhada com emoção pelo povo pernambucano, reavivou-se o mito. No que foi ajudado pela presença do escritor Ariano Suassuna em eventos de campanha, como a lembrar a todos que Arraes, sombra avoenga, ali estava para proteger e guiar o neto (jovem de 41 anos) na caminhada rumo ao Palácio do Campo das Princesas.

No segundo turno, o furacão Lula, montado nas políticas sociais postas em prática em benefício dos mais pobres, alçou a candidatura de Eduardo aos níveis mostrados no início deste artigo. Por isso, a Frente Popular volta ao poder, com força política, em novo ciclo da história pernambucana, numa alvissareira fase de grandes investimentos públicos e privados, alguns deles já assegurados por decisões do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Francisco Cartaxo Rolim é autor dos livros Política nos Currais e Do Bico de Pena à Urna Eletrônica