A luta por aposentadorias e contra os acidentes do trabalho acontece desde o início do século 20. A previdência social tem sido pauta de muitas greves e movimentos nos últimos cem anos no Brasil. A primeira lei previdenciária, que beneficiou os ferroviários em 1923, foi fruto de muitas lutas e paulatinamente o direito à aposentadoria e à estabilidade no emprego deu-se para todos os ramos de atividade até o final dos anos 50.
Em 1966, a ditadura militar unificou todos os institutos de previdência, com a exclusão total dos trabalhadores na gestão do sistema. A retomada e ampliação dos direitos previdenciários só foram conquistadas na Constituição de 88. Entre outros direitos, garantiu-se a gestão quadripartite na previdência, com representantes de trabalhadores ativos, aposentados, governo e empregadores; estabeleceu-se para o regime geral da previdência - setor privado - o cálculo de benefícios com base nos últimos 36 meses de contribuição; reajustaram-se as aposentadorias tomando como base de sua concessão o salário mínimo da época e concedeu-se a aposentadoria de um salário mínimo a milhões de trabalhadores rurais, contribuindo para uma significativa distribuição de renda no país.
Ultrapassado e, porque não dizer, distorcido e injusto, o sistema hoje precisa de mudanças. Mas qualquer discussão em torno da previdência social brasileira deve estar intimamente relacionada ao resgate do conceito de Seguridade Social, inserido na Constituição de 1988. Assim, as políticas públicas relativas a saúde, assistência e previdência social devem ser pensadas de forma conjunta e articulada, haja vista os reflexos que projetam umas nas outras.
Neste sentido, a CUT afirma a necessidade de dar-se total transparência ao orçamento da seguridade social, de modo não só a impedir a "sangria" que vem sendo imposta ao setor nas últimas décadas, mas também com o fim de tornar clara a existência repetida do superávit orçamentário. É preciso reconhecer que as contribuições criadas para o financiamento das três áreas da seguridade social são insuficientes se quisermos melhorar o atendimento.
A CUT não aceita que o debate sobre as reformas que o governo pretende realizar na previdência social seja pautado por um viés meramente econômico, destinado tão somente ao equilíbrio financeiro do sistema. O debate deve ser geral e não específico (centrado no regime de previdência dos servidores públicos); deve se dar em torno de conceitos e não de números; e objetivar atingir uma efetiva justiça social e não apenas o equilíbrio financeiro e atuarial.
Os princípios para a reforma da previdência que a CUT defende não são novos. Datam, pelo menos, de resoluções da central em 1995. A CUT está estudando detalhadamente o assunto e criou uma comissão de reforma da previdência social que está fazendo a sistematização e atualização dos diagnósticos e diretrizes de políticas que já se transformaram em resoluções da CUT.
Paralelamente, o Ministério da Previdência e a CUT estão discutindo determinados pontos do PLC-09, projeto de lei complementar do governo anterior em tramitação no Congresso Nacional. Dentre eles, estão o teto de R$ 1.561,00 defendido pelo governo para o funcionalismo, mesmo valor pago hoje pela iniciativa privada. A CUT defende que o teto seja de vinte salários mínimos. Outro ponto a ser discutido é o fundo de previdência complementar proposto no PLC-09. O texto do projeto não define o percentual que os funcionários e o governo terão de pagar para o fundo. A CUT defende também que, se este fundo existir, seja público, sem ser apropriado pelas agências financeiras privadas.
Proteção e segurança aos cidadãos
Propomos que a previdência social pública seja geral, para todos os trabalhadores rurais ou urbanos, do setor público ou do privado, civis ou militares, da mesma forma que defendemos que os direitos trabalhistas também o sejam, sem distinções sobre qual a fonte pagadora do trabalhador. Todos os trabalhadores devem ser incluídos nesse sistema único, inclusive juízes e militares. Nenhuma categoria pode ficar de fora. Por decisão de suas instâncias, a CUT defende um teto de vinte salários mínimos, o equivalente hoje a R$ 4 mil para os benefícios previdenciários.
Tal proposição é escorada na posição defendida pela central de que o trabalho deve ser tratado como tal, independentemente do empregador e do vínculo empregatício. Afinal, o sistema previdenciário é mantido pela sociedade para proteger e dar segurança aos cidadãos, objetivo que não é permeável a tratamentos diferenciados. Todos devem ser igualmente protegidos.
Para dar conta desta reforma, construindo soluções estruturais, será necessário um conjunto de iniciativas de curto, médio e longo prazos. O sistema deve ter caráter contributivo, com benefícios claramente estipulados e o valor do piso e do teto de benefícios de aposentadoria claramente definidos. A gestão deve ser democrática, a cargo de um órgão quadripartite, incluindo representantes do governo, dos trabalhadores da ativa, dos aposentados e dos empresários, conforme já prevê a Constituição Federal.
Para os trabalhadores, tanto do setor público como do privado, que almejem valores de aposentadoria superiores ao oferecido pelo teto da previdência pública, defendemos que haja um sistema de planos complementares, com ou sem fins lucrativos, de caráter facultativo e sustentado por empregados e empregadores.
A reforma deve prever, ainda, a ampliação da fiscalização, a adoção de punições mais severas aos praticantes de sonegação e fraude, a maior eficácia na cobrança da dívida ativa e o incentivo à formalização do trabalho, resultando no ingresso de novas receitas para o sistema previdenciário, o que permitirá uma discussão mais racional quanto à eventual redução da alíquota de contribuição.
É bom que se diga que uma política de forte crescimento econômico resultará em elevação do salário médio, da quantidade de empregos e de sua formalização, com conseqüências positivas no equilíbrio financeiro do sistema previdenciário.
A igualdade de tratamento previdenciário deve vir precedida de um reordenamento jurídico e administrativo do setor público, de modo a promover uma profunda alteração na legislação vigente, mesmo na Emenda Constitucional nº 020/98, deferindo aos servidores públicos os mesmos direitos dos demais trabalhadores.
Este sistema consistiria na cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte, velhice e reclusão, bem como aqueles resultantes de acidentes do trabalho ou doença profissional; proteção à maternidade; proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário e ajuda à manutenção dos dependentes dos segurados de baixa renda, dentre outros que visem a proteção social e a sobrevivência digna dos trabalhadores.
A CUT entende que, apesar de contributivo, o sistema possui certa singularidade, qual seja o de dar proteção aos que não têm condições de, por conta própria, proverem infortúnios de sua vida, como uma doença, ou no caso de desemprego involuntário.
Entendemos, também, que os trabalhadores do campo, ainda que devam contribuir efetivamente para o sistema, jamais terão condições de fazê-lo nos mesmos moldes ou percentuais dos trabalhadores urbanos.
Nestes casos, é a sociedade quem faz a cobertura desses trabalhadores. É um "subsídio social" que a CUT considera justo, correto e estrategicamente claro no sentido da fixação do homem à terra e à produção de alimento para a população.
Aposentadoria integral
Os critérios e valores das aposentadorias e pensões também permanecem os mesmos. A CUT defende a aposentadoria integral, correspondendo a 100% da última remuneração recebida pelo segurado, mantendo os mesmos valores quando da concessão de pensão pela morte do segurado, combinada com mecanismos que coíbam a manipulação do salário às vésperas da aposentadoria.
Quando por idade, a aposentadoria deve se dar aos 65 anos para os homens e 60 para as mulheres, com redução de cinco anos para trabalhadores rurais ou para aqueles que exercem suas atividades sob regime de economia familiar (produtor rural, garimpeiro, pescador artesanal).
Se por tempo de serviço, deverá ocorrer aos 35 anos para homens e 30 para mulheres, ou tempo inferior no caso de trabalho exercido em condições especiais.
Para reverter a atual distorção que impede a aposentadoria por tempo de serviço dos trabalhadores de menor renda (com maior dificuldade de comprovar o vínculo empregatício em determinados períodos da sua vida ativa), deverá ser aceito como contribuição efetiva o tempo em que o trabalhador permanecer em desemprego involuntário.
A aposentadoria proporcional ao tempo de serviço deve acontecer a partir dos 30 anos de serviço para homens e 25 para mulheres, com manutenção da contagem recíproca, para efeito de aposentadoria, do trabalho exercido na administração pública e na atividade privada rural ou urbana.
No caso de pensão por morte, esta será concedida ao conjunto dos dependentes do segurado falecido, aposentado ou não, no valor correspondente a 100% do valor da aposentadoria ou remuneração recebida no mês anterior ao falecimento.
A CUT também defende a aposentadoria especial e por legislação especial, aplicada a trabalhadores que, individualmente, tenham sido submetidos a condições de trabalho sob incidência de agentes agressivos à sua saúde, ou a condições que reduzam sua capacidade física, como os trabalhadores em minas, eletricitários, químicos, condutores, professores de 1º e 2º grau etc.
Entendemos que o Estado precisa desenvolver uma política clara de humanização do mundo do trabalho, com o combate às precárias condições laborais a que estão submetidos milhões de brasileiros, por meio do incentivo à prevenção e da adoção de técnicas de controle de doenças profissionais e acidentes de trabalho. Este debate deve acontecer conjuntamente com a discussão da reforma da previdência.
Quanto ao caso específico das ditas "aposentadorias especiais", com que foram brindados alguns setores da sociedade, como por exemplo juízes classistas, parlamentares, governadores e militares, a CUT se posiciona pela imediata extinção de tais prerrogativas. A nosso ver, estas funções são eventuais e, não se incorporando ao cotidiano das pessoas que as exercem, não podem gerar direitos previdenciários.
Quanto ao Poder Judiciário, além da questão referente aos juízes classistas - anomalia criada para tentar deferir à Justiça Trabalhista um pretenso caráter democrático e de isenção nas decisões, é necessário discutir a exigência de apenas cinco anos de exercício no cargo para que os juízes togados se aposentem com o salário integral. Defendemos que este prazo seja ampliado para no mínimo dez anos, sem o que o cálculo da aposentadoria seria proporcional à remuneração recebida antes e depois da posse no cargo.
Teto de benefícios
Defendemos o teto de benefícios em vinte salários mínimos. Com esse teto, estariam cobertos pelo sistema público geral cerca de 95% dos trabalhadores da área privada e cerca de 90% dos da área pública. Segundo dados do PNAD, cerca de 90% dos trabalhadores com carteira assinada percebem até dez salários mínimos por mês. No setor público, este percentual situa-se em torno de 75%, no caso dos servidores federais, e chega perto de 80%, se incluídos servidores estaduais e municipais.
O teto da aposentadoria precisa ser maior porque no Brasil não temos uma tradição de fundos de pensão. Se o teto for fixado em dez salários mínimos (R$ 2 mil), os trabalhadores que quiserem ganhar um benefício maior terão que contribuir para um regime de previdência complementar. Infelizmente, a nossa experiência passada com os fundos de pensão não é muito recomendável.
Ao definirmos a previdência social também como mecanismo de redistribuição de renda, em que o conjunto da sociedade deve financiar a cobertura estatal mínima para aqueles que mais necessitam, devemos buscar alterar o atual tratamento dado ao teto de contribuições, que parece indicar que o Estado concede uma proteção igual para todos ao conceder um teto de benefícios e de contribuição igual.
A verdade é outra. Com essa prática, se está invertendo a lógica da redistribuição de renda e distribuição igualitária dos aportes por todos os brasileiros. Está se cobrando proporcionalmente mais de quem ganha menos, e menos de quem ganha mais, numa injusta e perversa inversão de valores.
No caso da contribuição das empresas, o percentual de repasse incidente sobre a folha de salários já vem sendo feito sem limites, cabendo, portanto, apenas a adequação das contribuições feitas pelos empregados.
Não procede, por outro lado, o argumento de que o fim do teto de contribuições inibiria a própria contribuição ou incentivaria as fraudes. Isso porque a contribuição dos empregados é descontada diretamente na folha, sendo a modalidade de contribuição com menor incidência de manipulações ou fraudes.
Acreditamos que a adoção dessas propostas permitirá um expressivo aumento no ingresso de recursos para o sistema, além de ampliar a cobertura social a cargo do Estado, reduzindo a interferência da iniciativa privada
no setor.
As fontes de custeio
O custeio da previdência deve advir de duas fontes: da contribuição dos trabalhadores e dos empregadores (incluindo as esferas públicas). A contribuição dos empregados deve incidir sobre qualquer remuneração nas seguintes alíquotas: 8% até 3 salários mínimos; 9% de + de 3 até 5 salários mínimos; 10% de + de 5 até 10 salários mínimos e 11% acima de 10 salários mínimos. Já a contribuição dos empregadores será de 20% sobre a folha-salário, incluindo demais rendimentos pagos a qualquer título.
Para fins de previdência social pública, a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, suas autarquias, fundações e empresas de economia mista serão considerados empregadores, nos mesmos moldes das definições adotadas para os empregadores privados, contribuindo, assim, nas mesmas bases e condições. A contribuição seria fixada também em 20%.
No caso do setor privado, nas empresas com expressiva utilização de mão-de-obra, seria deferida uma redução do percentual de contribuição sobre a folha de pagamento, aumentando-se o percentual incidente sobre a receita, faturamento ou lucro.
Destaquem-se, ainda, alguns critérios especiais. A contribuição sobre receita de concursos e prognósticos seria mantida na forma já fixada, incluindo receita sobre bingos e jogos de azar, estes últimos quando regulamentados; a contribuição sobre faturamento seria mantida na forma atual, inserindo-se a contribuição sobre a receita bruta; enquanto a contribuição sobre o lucro seria mantida na forma atual.
Já a contribuição sobre grandes propriedades rurais seria instituída nos termos de lei complementar (não se confundindo com o Imposto Territorial Rural já existente); e a contribuição sobre a comercialização de produtos importados considerados supérfluos seria instituída. Igualmente seriam instituídas a contribuição sobre o recebimento de heranças, na forma prevista no artigo 155, I, "a", da Constituição Federal; e a contribuição sobre grandes fortunas, conforme previsto no artigo 153, VII, da Constituição Federal.
Para a CUT, a arrecadação e a fiscalização dos recursos provenientes das diversas fontes de custeio devem ficar a cargo do INSS, sendo sua administração de responsabilidade do Conselho Nacional de Seguridade Social e dos conselhos específicos de cada área da seguridade (Previdência, Saúde e Assistência).
A previdência complementar
Acima do teto de 20 salários mínimos, para o setor público e privado, sendo o público por sistema de capitalização; e o privado, aberto ou fechado.
A previdência complementar pública seria acessível a trabalhadores do setor público ou privado, disputando o mercado com as entidades abertas de previdência privada (mantidas pelos bancos), mas oferecendo menores taxas de administração e objetivo de lucro zero.
A arrecadação destes fundos deveria ser utilizada para incentivar o aumento dos níveis de emprego, de produção, de financiamento ao pequeno e médio produtores rurais, de políticas de manutenção do homem na terra, todas geradoras indiretamente de recursos para o sistema geral de previdência básico.
Sem dúvida alguma, a reforma da previdência será uma das principais a serem realizadas pelo governo Lula. Defendemos que ela ocorra e vamos participar de todos os fóruns em que o tema for debatido, sempre procurando envolver a nossa base - a CUT possui 3.319 sindicatos filiados e representa 22.266.471 trabalhadores e 12 milhões de aposentados - na discussão.
João Antonio Felício é professor e presidente nacional da Central Única dos Trabalhadores www.cut.org.br