A dimensão continental de nosso país também se expressa na quantidade dos cargos em disputa nas eleições municipais deste ano. São 58.544 vagas de vereador e 5.548 de prefeito, em disputa por esse Brasil afora. Serão eleitos o prefeito de uma cidade como São Paulo, de quase 8 milhões de eleitores e uma câmara municipal de 55 vereadores, e o de Lavanderia, em Tocantins, com 473 eleitores e nove vereadores. São trinta partidos com registro no TSE em condições de disputar essas eleições. São 109 milhões de eleitores que depositarão seus votos em 355 mil seções num sistema totalmente informatizado.
O PT participa desse processo com candidatos distribuídos nacionalmente (quadro I) e com definições políticas estabelecidas em seu II Congresso, em reuniões do Diretório Nacional e da Comissão Executiva, e na Conferência Eleitoral Nacional.
Já em 1982 o PT fincou pés, ainda que timidamente, na administração pública municipal. Ganhamos em Diadema, em São Paulo, e em Santa Quitéria, no Maranhão. Em 85, foi a vez de tomarmos posse na Prefeitura de Fortaleza. Em 88 surpreendemos, elegendo prefeitos em 37 municípios, dentre os quais três importantes capitais: São Paulo, Porto Alegre e Vitória. De lá para cá crescemos, não tanto quanto gostaríamos ou quem sabe poderíamos, e hoje administramos 108 prefeituras.
Em paralelo à execução do nosso modo de governar, o PT continuou a se destacar no cenário político nacional, interferindo de forma direta nas disputas travadas.
Desde antes da derrubada da ditadura, não há como contar a história do Brasil sem citar a participação do Partido dos Trabalhadores. Fomos força viva na campanha das diretas, negamos o Colégio Eleitoral e contribuímos para a elaboração da nova Constituição do país, apesar de ao final decidirmos, acertadamente, não assiná-la. Tudo com coragem e ousadia de menino.
Impetuosamente botamos o Lula no segundo turno em 89 e quase chegamos lá. Rapidamente o povo percebeu o engodo eleitoral e não vacilamos em contribuir decididamente para colocar o Collor fora. Em 94 e 98 – ainda que neste último ano com mais dificuldades –, disputamos as eleições presidenciais, sempre ameaçando as elites e seus representantes. Estamos efetivamente crescidos e hoje podemos sonhar com a proximidade de nossos dias como condutores desta nação.
Não há como iniciar uma avaliação sem nos reportarmos à última eleição municipal de 1996, até mesmo porque foi uma eleição que aconteceu no início do primeiro governo FHC.
Ao ganhar a eleição em 1994, FHC e sua coligação obtiveram não somente um resultado eleitoral favorável. Implantaram uma hegemonia clássica e aplicaram sua política com o consentimento e apoio da maioria da população.
O PT e Lula perderam as eleições num momento de descenso, com dificuldades de mobilização, um partido relativamente desorganizado e movimentos sociais em claro refluxo.
É verdade que resistimos como pudemos, ao longo dos primeiros quatro anos de governo neoliberal de FHC. Todavia não conseguimos impedir que o Estado brasileiro fosse quase destruído e que nosso país se submetesse muito fortemente ao Consenso de Washington e sua política econômica desastrosa e concentradora de renda
Nas eleições municipais de l996, a componente nacional da disputa era favorável a FHC, visto que era boa a imagem de seu governo junto à população. Não havia clima para protestos e manifestações contra o governo. Naquele contexto, talvez possamos afirmar que o discurso de oposição não colou muito.
Ao chegarmos em 1998, numa situação completamente diferente da de 94, a coligação tucano/pefelista foi vitoriosa, porém já entrava em curva descendente. A expressão maior das suas dificuldades foi a desvalorização do real feita logo em janeiro de 1999. A impressão que ficou foi a de que FHC e seu marketing eleitoral não se sustentariam se a campanha tivesse um mês a mais.
Em seu segundo mandato, FHC passa a conhecer o outro lado da moeda. Viu sua popularidade escorrer pelos dedos da mão que um dia serviram para indicar prioridades de governo nunca cumpridas. A partir daí, iniciou-se uma série de protestos que unificou de sem-terra a caminhoneiros.
Além disso, o governo se viu em dificuldades, pois as crises nas economias do resto do mundo acabaram afetando também o Brasil. É claro que muitas de nossas dificuldades econômicas podem ser creditadas à orientação dada pela equipe econômica deste governo, subserviente ao capital transnacional. Se para nós e para a imensa maioria dos brasileiros FHC não tem sido um bom presidente, para o grande capital sem pátria ele é um gerente qualificado.
Neste quadro de instabilidade e de incertezas, com FHC e seu governo perdendo apoio, a população começa a criticar teses até então consideradas tabus, como as privatizações. Além disso, a base parlamentar de FHC, por se agregar essencialmente em padrões de fisiologismo e clientelismo, ao ver o governo perder apoio popular começa a ensaiar discordâncias, em muitos casos deixando o governo de saia justa. O grotesco bate-boca envolvendo os senadores ACM e Jader Barbalho é apenas a ponta deste iceberg. Muita sujeira ainda está por ser revelada. O caso Eduardo Jorge, apesar do presidente dizer – sem convencer quem tem um mínimo de informação – que não é uma questão de governo, pode revelar um pouco mais da lama que suja os tapetes do Palácio do Planalto.
Nacionalização da disputa
Pensar o contexto eleitoral de 2000 é pensar, a um só tempo, em um amálgama dos acontecimentos políticos, econômicos e sociais ocorridos nos últimos anos, bem como projetar cenários para a disputa política no curto e médio prazos. Desta síntese podemos abstrair conceitos e iniciativas para o partido e para a sociedade brasileira.
Apesar da curta e recente experiência de redemocratização experimentada pelos brasileiros, uma parcela muito significativa da população já consegue distinguir entre as atribuições de cada esfera de governo. Isso faz com que parte dos eleitores não reconheça no governo federal responsabilidade pela situação de penúria de nossas cidades.
Decorre daí nossa primeira tarefa: lutar para dar um caráter nacional para as eleições deste ano. Precisamos desmistificar a imagem de que o governo federal nada tem a ver com o que se passa nos municípios brasileiros. Daí ser adequado tentarmos, nesta oportunidade, plebiscitar o governo federal pela primeira vez nesses seis anos. E temos razões de sobra para isso.
É preciso fazer ver à população que a base das dificuldades de nossas cidades tem sua origem na política econômica do governo federal. Um exemplo é a condução da atual reforma tributária. FHC implementou, com a aprovação de leis tributárias, uma reforma que enfraquece nossa estrutura federativa. Avançou sobre as receitas dos estados e municípios. Para as nossas cidades, a Lei Kandir, o FEF e outras reformas certamente trouxeram mais problemas do que solução. Mesmo a lei de responsabilidade fiscal, que aparentemente é um chamado para o tratamento responsável da coisa pública, na realidade não passa de um instrumento para dar seqüência aos acordos com o capital internacional, visto que não estabelece limites para o pagamento dos juros das dívidas, ainda que os estabeleça para outros gastos, como pessoal.
Por outro lado, nesses seis anos de governo FHC e PFL, nossos índices sociais pioraram. Com o aumento do desemprego, cresceram a pobreza, a indigência e as dificuldades nas áreas de educação e da saúde. Não existe saída efetiva para nossas cidades sem uma mudança nas políticas do governo federal.
De outra parte, alguns dos maiores problemas apontados em qualquer pesquisa realizada no Brasil se situam fora do âmbito de atuação dos municípios: desemprego e segurança por exemplo. Isto não quer dizer que nossos prefeitos não deverão usar de criatividade, austeridade e competência administrativa para atender estas demandas. Todavia, é preciso deixar claro que a responsabilidade primeira, nestas áreas, é do governo federal ou do estadual.
Com FHC e seu grupo no poder não teremos significativas alterações de rumo. Por isso, precisamos lutar para derrotá-lo e substituir seu modelo econômico excludente e concentrador de renda por um projeto que inclua a imensa maioria dos brasileiros que hoje esta alijada dos mais básicos direitos sociais.
O modo petista de governar
A segunda e não menos importante tarefa político-eleitoral é mostrar nossa capacidade e nossa experiência acumuladas em governar cidades. Há um sentimento em parcelas significativas da população de que o PT não consegue administrar. Precisamos nos contrapor a esta visão apresentando aos eleitores todo o leque de alternativas políticas e administrativas que marcam o modo petista de governar.
A defesa do modo petista de governar deve enfeixar nossas propostas e projetos administrativos, na grande maioria aprovados pela população e, muitas vezes, por esta gestados. É claro que teremos que inovar e criar permanentemente, aperfeiçoando nossas ações no plano do poder local, mas o orçamento participativo, o banco do povo, o programa de renda mínima, a bolsa-escola, entre tantas outras propostas aplicadas pelas administrações petistas e copiadas por muitos outras, devem orientar as bases dos programas de governo. Da menor à maior cidade do país, o PT deverá disputar as prefeituras com um programa que aponte claras iniciativas para reverter a situação de penúria que atinge a maioria dos municípios brasileiros.
É claro que, sem mudanças profundas nos governos estaduais e federal, as ações administrativas no âmbito dos municípios ficam limitadas. Porém, há um grande espaço para a implantação de gestões democráticas, participativas, transparentes e descentralizadoras de poder.
A ética na política
A terceira tarefa que deveremos enfrentar no pleito municipal é abordar com eficácia a questão da ética na política. Apesar das CPIs fazerem parte do cotidiano da política nacional, apesar das benesses, jeitinhos, caixinhas, abusos de poder, desvios de funções e malversação dos recursos públicos tão em uso no país, boa parte da população não consegue fazer distinções entre os políticos brasileiros.
Apesar do PT aparecer como aquele partido que fiscaliza e busca punição para os corruptos, aos olhos de uma parcela significativa da população acabamos sendo empurrados para a vala comum da política nacional e seus políticos geralmente inescrupulosos.
Temos que deixar claro que nosso partido veio para mudar esta ordem, ou nenhum marketing eleitoral irá nos salvar da vala comum onde apodrece a imensa maioria dos políticos brasileiros. A sua trajetória, aliás, é o melhor handicap para enfrentar na ofensiva o debate neste terreno.
Para tanto, precisamos recorrer a um discurso articulado e competente que separe o joio do trigo e indique claramente para os eleitores de que lado está nosso partido e seus candidatos.
Aqui se impõe uma rápida reflexão sobre os procedimentos atuais que possibilitam a arrecadação de recursos para as campanhas eleitorais. Enquanto não conseguirmos aprovar, no bojo de uma audaciosa reforma política, o financiamento público das campanhas, continuaremos a assistir ao poder econômico ditando procedimentos na política nacional. O financiamento público das campanhas é o caminho para buscarmos um nivelamento das disputas eleitorais ao menos em termos de recursos financeiros.
Ser honesto não deveria ser uma “vantagem” eleitoral de alguns políticos. No PT, ser honesto é pré-requisito básico para quem quiser ser candidato. Mas política no Brasil está associada a ascensão social e econômica na grande maioria dos casos, se possível também para parentes, amigos, assessores e apoiadores. O PT nasceu para romper com este ciclo viciado em que o candidato, de uma forma ou de outra, compra o voto do eleitor, que em troca espera uma botina ou um emprego.
Por isso, nenhum partido hoje no Brasil pode falar de ética com a autoridade que o PT tem. Com esta bandeira, apesar de não ser exclusividade dos petistas, poderemos conquistar não apenas votos, mas sobretudo o imaginário popular, caminho necessário para recolocarmos a política em patamares superiores.
Em 2000 o PT tem importantes tarefas. No terreno eleitoral, as três questões aqui apontadas devem reter o melhor de nossas energias. As prefeituras do partido são em regra geral aprovadas pela opinião pública. Além da possibilidade de reelegermos 80% das atuais administrações petistas, há uma perspectiva positiva de elegermos os ex-prefeitos de várias cidades importantes que já governamos, bem como de triplicarmos o número atual de prefeitos e vereadores, conquistando vitórias em diversas capitais do país, na maioria delas com o PT encabeçando a chapa majoritária. De maneira que estas eleições municipais poderão se transformar em novo marco na história do PT, que poderá sair das urnas como o principal vitorioso.
João Paulo Cunha é deputado federal do PT/SP e coordenador do GTE Nacional.