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Os vínculos indissociáveis entre ética e política integram o patrimônio do Partido dos Trabalhadores

Os escândalos envolvendo o ex-presidente do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) em São Paulo, Nicolau dos Santos Netto, e o ex-senador Luiz Estevão só perderam em repercussão para o envolvimento direto do ex-secretário geral da Presidência e amigo pessoal de FHC, Eduardo Jorge Caldas Pereira.

Nas últimas semanas, o chamado caso EJ, como foi batizado pela mídia, ocupou o espaço antes dedicado à corrupção do governo Pitta, uma onda que se estendeu de fiscais de feira a administradores regionais, com a conivência de vereadores e a participação direta do prefeito, afastado e depois reconduzido ao cargo por decisão judicial. As ramificações são tantas que mais correto é tratar o assunto como um dado estrutural do malufismo, o "modo rouba, mas faz" de governar.

Natural, portanto, dada a extensão deste fenômeno, por sinal bastante antigo, que o combate à corrupção seja um dos centros táticos da campanha eleitoral oposicionista. Principalmente o PT, cuja imagem de incorruptível é reconhecida até pelos inimigos, tem investido fundo nas denúncias de malversação dos recursos públicos e tem fustigado a impunidade habitual dos criminosos de colarinho branco – como são chamadas, por exemplo, figuras como o ex-presidente Collor ou o senador Luiz Estevão, colocado atrás das grades num dia e solto logo no dia seguinte.

Os vínculos indissociáveis entre ética e política integram o patrimônio do Partido dos Trabalhadores. E a luta contra a corrupção, um corolário deste princípio, deve ser permanente, qualificada e diferenciada do moralismo udenista que por vezes nos contagia.

Como mote de campanha, não pode sobrelevar as propostas de governo e as críticas ao modelo em vigor. É bom lembrar que, em 1992, menos de dois meses após o impeachment de Collor, Paulo Maluf ganhou as eleições em São Paulo, vencendo no segundo turno o senador Eduardo Suplicy, um paladino da luta anticorrupção!

Em certa medida, a corrupção, para ser banida, deve antes ser erradicada do senso comum. Isto porque há uma mentalidade, uma noção generalizada de que nenhuma sociedade moderna pode mais ser governada sem corrupção. Esta, aliás, a constatação do psicanalista alemão Horst-Eberhard Richter, da Universidade de Giessen, em seu livro A arte elevada da corrupção, publicado em 1989 e retirado temporariamente de circulação após a queda do Muro de Berlim.

Na opinião de Richter, os escândalos recentes em torno do ex-chanceler Helmut Kohl, entre outros, deixaram o povo mais sensível. E a escolha de novas lideranças funciona como um "ritual de purificação", após o qual, tendo-se expiado as culpas, as coisas podem se repetir. É como se a democracia, hoje, precisasse erigir alguns exemplos (como foram, guardadas as proporções, a cassação de Luiz Estevão ou a prisão do vereador paulistano Vicente Viscome) para manter a ilusão da igualdade.

Se bem que sob a forma de sátira psicanalítica, as observações de Richter merecem um exame acurado em nossas análises políticas. Inclusive porque o tema da corrupção tem sido objeto de estudos criativos, como é o caso agora do professor Renato Janine Ribeiro, em seu novo livro A sociedade contra o social, editado pela Companhia das Letras.

Em seus ensaios, Ribeiro, um crítico atilado do regime atual, afirma que corrupção é a forma como se pensa a política no Brasil de hoje, deixando-se para os gabinetes outras questões como projeto econômico ou modelos de desenvolvimento. A seu ver a corrupção acaba sendo pensada como furto e não como degenerescência dos costumes políticos.

Como ninguém pode assumir que é a favor da corrupção, não há como politizar o debate, nota Ribeiro, para quem a corrupção "é o lado escuro da liberdade, que, iluminado, se transformaria em escolha dos próprios caminhos pelas pessoas".

Eis porque, também nas eleições, a denúncia da corrupção deve associar-se ao desmascaramento do funcionamento do regime, e não restringir-se ao campo do "certo" e do "errado". Assim será possível escapar das armadilhas do "rouba, mas faz", que leva muitos a concederem que, de fato, o ladrão fez...

(RF)