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A crise/falência da ordem internacional construída após a 2ª Guerra e a necessidade de reorganização econômica et pour cause geopolítica do mundo é o pano de fundo sem a observação do qual o conflito do Golfo Pérsico perde grande parte de sua configuração dramática e da dimensão política que carrega.
É este contexto que diferencia fundamentalmente esta guerra de outras crises e conflitos localizados, ou até mesmo regionais, que se verificaram desde 1945. Seja a Guerra da Coréia, a crise da Cashemira ou de Suez, sejam as invasões da Hungria, Tchecoslováquia,Guatemala, Panamá, República Dominicana ou Granada, sejam todas as tensões e conflitos do Oriente Médio, ou mesmo a Guerra do Vietnã.
Isto faz com que a real disputa local pela hegemonia no Oriente Médio – desta vez protagonizada pelo Iraque de Saddam Hussein – ganhe contornos novos e desdobramentos imprevisíveis.
Trata-se também da primeira vez que somos postos numa situação de enfrentar e refletir sobre um desses conflitos pós-guerra fora dos parâmetros da Guerra Fria, da lógica de um mundo bipolar que hoje esboroa, abrindo espaço para que o grande capital viva a sua “segunda Belle Époque” sem nada que realmente se coloque como uma barreira aos seus objetivos e desígnios – pelo menos até agora.
O desmanche do Leste Europeu, com sua profunda crise política, econômica e ideológica e a opção pela perestroika tiveram como efeitos mais concretos até o momento a reunificação da Alemanha sob a égide dos grandes monopólios e a prostração do poder soviético, inerme, aos pés do bloco capitalista, oferecendo-nos como último ato o voto da URSS no Conselho de Segurança da ONU favorável à intervenção militar no Golfo.
Foi assim que a URSS jogou definitivamente por terra a bandeira da paz internacional que, sem muita convicção e com alguma hipocrisia, ainda empunhava nas últimas décadas. Desse modo tornou-se cúmplice e contribuiu para a grande aventura hegemonista do senhor Bush de ampliar o conflito do Golfo e garantir a presença de tropas americanas ocupando o Oriente Médio.
Com as reviravoltas do quadro econômico e político internacional os governos títeres de Israel, dos países árabes e dos países islâmicos não são mais garantia suficiente para Washington da defesa eterna de seus interesses no controle das jazidas de petróleo da região. Somente tropas norte-americanas estacionadas na região poderão dar a segurança exigida pelos EUA.
Os Estados Unidos são uma potência em declínio, e os governantes de aluguel do Oriente Médio podem repentinamente decidir vender seus serviços a novos senhores de potências emergentes – a troco de marcos e iens, por exemplo.
A garantia do controle de jazidas petrolíferas é também o que disputa a Comunidade Européia que não sabe o que fazer com a Alemanha Unificada, com a qual lhe presenteou a perestroika.
Por outro lado, os Estados Unidos vivem numa recessão interna que tende a se agravar. A ativação da sua indústria bélica e o redirecionamento do seu parque industrial visando a guerra são saídas desejáveis (para Washington) como possibilidade de solução da crise interna. O mesmo raciocínio vale para países da Comunidade Européia, como a França e a Inglaterra.
Em nome da rosa
A causa da paz internacional foi a grande bandeira dos socialistas revolucionários de 1914, derrotados pelo “pragmatismo” (leia-se traição) da 2ª Internacional (social-democrata). Se é verdade que, por um lado, esta derrota se expressa no assassinato dos líderes espartaquistas alemães Rosa Luxemburgo, Liebknecht e do socialista francês Jaurès (entre outros) e a consumação da guerra; não é menos verdade que esta mesma bandeira da paz internacional que credenciará Lenin e as lideranças revolucionárias russas para o processo de acúmulo de forças que tem seu desfecho em 1917.
A guerra de 1914 marca o fim da Belle Époque e, depois dela, o mundo se reorganiza: o Império Britânico e a França permanecem como potências econômicas e militares de primeira linha, os Estados Unidos emergem como potência internacional e, das cinzas do Império Russo, surge o primeiro Estado operário: a União Soviética.
É sobre os escombros do Império Turco que os novos senhores do mundo procederão a partilha do Oriente Médio, traçando já naquela época fronteiras artificiais que delimitam Estados e que dividem nações e tribos, ao mesmo tempo que reúnem internamente povos que não pretendiam conviver num mesmo espaço. Com esta partilha a Inglaterra afirma na Península Arábica seu poder político. Posteriormente Londres procederá a novas divisões arbitrárias na região, retirando da antiga província turca do Iraque uma parte do seu território e criando artificialmente o Kuait. O Kuait é erigido em protetorado britânico e só conquistará independência política nos anos 60.
A paz defendida por Rosa, Liebknecht, Jaurès, Lenin e outros revolucionários em 1914 traz em si e sintetiza o melhor da tradição socialista que remonta ao século passado. Antes de mais nada, essa paz internacional é um princípio ético. Do ponto de vista filosófico ela integra a dinâmica de um pensamento e ação de transformação do mundo em igualitário e justo.
Do ponto de vista da teoria política, decorre do entendimento de que as fronteiras dos Estados nacionais modernos interessam apenas às burguesias destes Estados, que através da manutenção destas fronteiras partilham entre si as riquezas e os recursos naturais, dividindo e explorando a classe trabalhadora. Assim, a burguesia acumula lucros, realizando o capital, enquanto a classe trabalhadora é mantida explorada e oprimida. Desse ponto de vista, as guerras são resultado das disputas interburguesas em torno dos mercados, riquezas, terras, zonas de influência etc. Essa mesma tradição aponta que as guerras são decididas pelas classes dominantes na defesa de seus interesses, mas que são levadas a cabo pelos filhos da classe trabalhadora e do povo em geral (os soldados), que morrem nas frentes de batalha ou voltam mutilados, na defesa de impérios que os oprimem. São também os trabalhadores e o povo que arcam com todas as dificuldades e misérias acarretadas pelas guerras e têm que reconstruir – em situação cada vez mais precária e de maior exploração – os impérios dos senhores. Nas guerras, a burguesia, através de seus discursos chauvinistas e patrioteiros, leva a classe trabalhadora e o povo ao ponto mais degradado de desunião, fazendo com que se assassinem mutuamente nas trincheiras, ao mesmo tempo em que perdem a referência da contradição capital-trabalho. A paz internacional é, portanto, um princípio ético fundamental do internacionalismo proletário.
De Aquino a Gorender
Esta posição intransigente contra as guerras desencadeadas pelo capital não implica, porém, concepções ingênuas sobre o uso da força, da violência, das armas.
Uma discussão antiga, legitimada desde a Idade Média por São Tomás de Aquino, já estabelece o direito de rebelião contra os tiranos.
É com base no direito à rebelião – com todos os ingredientes que o termo pode pressupor em termos de violência – que a burguesia inaugurará uma nova fase da história da humanidade em 1789 na França, e que várias colônias de potências européias conquistarão sua independência. As guerras de libertação nacional do nosso século põem-se no mesmo rol. Para os revolucionários socialistas a rebelião, mais que um direito, foi sempre encarada como um dever do oprimido. Para esses mesmos revolucionários - e desde o século passado, vide a experiência da Comuna de Paris – pegar em armas foi sempre a única alternativa que as classes dominantes deixaram aos trabalhadores na defesa de suas conquistas, pois toda vez que se sentiram ameaçadas as classes dominantes usaram armas contra os trabalhadores e o povo. Assim, o uso da violência pode ser justo ou não: depende de que a usa, contexto, objetivos, contra quem.
As sucessivas gerações de revolucionários fizeram essa discussão ao longo dos últimos dois séculos. O último texto publicado no Brasil a este respeito – e do nosso conhecimento – se encontra no livro O combate nas trevas, de Jacob Gorender, quando ele discute com grande pertinência o caso da execução de Elza Fernandes, ordenada pelo Comitê Central do PCB na segunda metade dos anos 30, e a execução de um militar capturado nos combates da guerrilha da VPR no Vale do Ribeira em 1971.
É assim que na 2ª Guerra, defendendo a bandeira da paz internacional, as esquerdas revolucionárias irão à luta. No mundo inteiro. De um lado, organizando a resistência na própria Alemanha e Itália e nos países ocupados. Muitos desses processos de resistência resultaram em vitórias internas que mudaram radicalmente no pós-45 a face desses países, como a Albânia, Iugoslávia e China.
Por outro lado, depois da invasão alemã ao território soviético, as esquerdas (mesmo dos países não invadidos) se lançaram à guerra, de diversos modos: era a defesa do primeiro Estado socialista. O internacionalismo proletário.
Os comunistas brasileiros, vivendo a ditadura do Estado Novo, foram dos primeiros em nosso país a pressionar Getúlio a declarar guerra ao Eixo, sobretudo a partir do momento em que submarinos alemães começaram a incursionar em nosso litoral, afundando navios brasileiros. A este respeito é muito ilustrativa a entrevista de Jacob Gorender publicada por Teoria & Debate nº11.
E agora, ONU?
A nova ordem construída depois da 2ª Guerra traz consigo a ONU, a Guerra Fria, uma Alemanha dividida e desarmada e um Japão também desarmado.
A ONU, desde sempre, mostrou-se incapaz de arbitrar pela paz em qualquer crise que envolvesse diretamente interesses das grandes potências. Ainda assim, como representação institucional, conseguiu expressar a nova ordem, na medida mesmo em que os destinos da paz ficavam por conta da Guerra Fria. Esta teve seu fim oficial na Conferência Européia Internacional reunida em Paris em 1990. Claro está portanto que a ONU pode se encontrar às vésperas de profundas transformações ou até mesmo de extinção, uma vez que a ordem que representou ruiu, a Guerra Fria acabou e a nova ordem a ser estabelecida poderá vir a necessitar de outra instituição com características próprias e adequadas ao rearranjo.
A Alemanha está reunificada e hoje alguns dos seus próceres levantam no Bundestag a necessidade de ser rearmarem para a defesa dos EUA, da “civilização ocidental e cristã” - que como todos sabemos, por alguma “licença poética” inclui o Japão. De qualquer modo, Berlim e Tóquio dirigem as duas economias mais fortes do mundo atual.
Dundun is calling
O “Estado militarista” é uma expressão cunhada por Galbraith que, poucos anos depois da paz de 45, já denunciava e advertia para os perigos de uma nova economia construída fundamentalmente com vistas à guerra. Ora, apesar da visão de Galbraith ser limitada, pela incapacidade de entender o Estado enquanto expressão do poder de classe, ele acerta em muitos pontos.
Pois bem, a lógica de montagem dos parques industriais visando a guerra é tal que não apenas define planos diretores e urbanísticos de cidades e regiões (estabelecendo pólos petroquímicos, traçados de rodovias etc) como vai muito além: a fábrica do inocente batom que vemos diariamente em vitrines, bolsas e penteadeiras, ou que a tranqüila e pacata vendedora da Avon oferece de porta em porta com o eficiente slogan traduzido do americano “Blim-blom, Avon is calling” pode rapidamente, com pequeníssimas alterações, substituir a fabricação das cápsulas de cosmético pela produção de cápsulas de balas para armamentos. O sistema é o mesmo: Blim-blom, dundum is calling!
Do mesmo modo, a Olivetti e/ou a Remington podem transformar do dia para a noite a fabricação dos tabuladores de suas pacíficas maquinas de escrever em produção de peças para o disparo de metralhadoras, e assim por diante.
Esses exemplos deixam claras duas coisas: primeiro, que o rearmamento do Japão e da Alemanha dependem apenas e tão somente do nihil obstat das duas potências em declínio (EUA e URSS) e sua concretização, após o sinal verde, pode se dar num lapso de tempo tão curto que dê margem mais uma vez aos desavisados de suporem a superioridade desses povos. Segundo, que quando falamos de guerra como reativadora de indústria armamentista ou bélica, não estamos falando apenas das empresas voltadas diretamente para a produção de mísseis, tanques, canhões, bombardeios etc. Falamos na indústria como um todo, na reativação da economia como um todos.
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Um estopim
Saddam disputa a hegemonia no Oriente Médio. Antes dele, outros líderes árabes já tentaram. Da guerra contra o Irã, o Iraque sai com um milhão de homens engajados nas Forças Armadas e sem empregos suficientes que absorvam pelo menos uma parte desses; uma dívida de milhões de dólares com o Kuait; os mesmos cinqüenta quilômetros de litoral espremidos entre o Irã e o Kuait e uma máquina de fazer guerra razoavelmente sofisticada, montada fundamentalmente pelos Estados Unidos e países da Comunidade Europeia.
Nos dia dois de agosto do ano passado Saddam ocupou o Kuait. Seus argumentos: a dívida cujo pagamento o Kuait reivindica já estaria paga, uma vez que durante os oito anos em que esteve em guerra contra o Irã, seu vizinho Kuait – que explora o combustível da mesma jazida (bacia petrolífera) do Iraque – extraiu muito mais petróleo que a quota estabelecida pela OPEP para ele naquele período, tendo além disso vendido o barril a preço inferior ao estipulado pela própria OPEP. Durante o período da guerra contra o Irã, Bagdá deixou de lado a exploração de petróleo, abastecendo-se de combustível com o Kuait. Segundo Saddam, a quota a mais explorada pelo Kuait seria da reserva destinada ao Iraque.
Nesta contabilidade (que parece ser real), de acordo com Saddam, é o Kuait quem ainda deve a Bagdá.
Este é o discurso básico de ocupação do Kuait. A este vão se agregando outras arengas. Estas, demagógicas e fundadas em meias-verdades. Mas nem as verdades – e menos ainda as meias-verdades – do sr. Saddam legitimam a invasão do Kuait e a aventura de jogar povos inteiros no abismo. Sua primeira arenga é o discurso contra o imperialismo norte-americano. Demagógica porque Saddam sempre fez seus salamaleques a Washington, não tendo em nenhum momento anterior denunciado os interesses norte-americanos na região. Pelo contrário, os EUA armaram em grande estilo Saddam Hussein para que este se batesse contra o regime dos aiatolás, arquiinimigos do governo norte-americano desde que derrubaram o xá Reza Pahlevi. O regime de Saddam nunca se recusou a ser parceiro dos Estados Unidos. Como a maioria dos regimes árabes sempre se prestou ao papel de associado da política imperial das potências.
A segunda arenga, articulada com a primeira, é o apelo ao pan-arabismo, à grande nação árabe – esta coisa tão polêmica de se existe ou não, hoje, uma nação árabe. Rematando esta questão vem a invocação da Jihad, a guerra santa islâmica em nome de Alá. Aliás, esse gladiador de Alá em tudo e por tudo faz lembrar os centuriões da democracia e da liberdade sediados na Casa Branca: Saddam pertence a um partido laico.
Por fim, vem talvez a mais nefasta e hipócrita de suas arenga: a defesa do povo palestino. Os dirigentes dos Estados árabes pouco ou nada têm se empenhado na solução do problema do povo palestino. Alguns, como Hussein da Jordânia, os tem massacrado. Aliás, estes governantes árabes encaram a questão como se tivessem uma batata quente nas mãos: a construção de um Estado laico e democrático palestino é uma verdadeira bomba na estrutura arbitrária, autoritária e arcaica de poder da região.
Na realidade, anexando o Kuait, o Iraque ampliou sua jazida de petróleo e sua costa com mais de 500 quilômetros de litoral. Deu emprego imediato a 450 mil de seus efetivos militares usando-os na ocupação, e os 550 mil restantes do milhão engajado desde a guerra contra o Irã encontraram “emprego” desde os ataques das forças lideradas pelos Estados Unidos.
Com sua arenga contra o imperialismo norte-americano e israelense ele busca apoios na região e simpatia internacional – inclusive junto às esquerdas. A guerra santa islâmica é o discurso para as lideranças religiosas e massas em geral, particularmente para o Irã, com o qual há indícios de acordos secretos. Evidenciando isto está a retirada de tropas de regiões reclamadas por Teerã após a guerra entre os dois países e ocupadas pelas forças de Bagdá. Esses discursos são capazes de inflamar grandes contingentes islamitas e criar grandes tensões internas nos Estados árabes. As dimensões e desdobramentos de tais tensões são incalculáveis e certamente se estendem até a fronteira sudoeste da União Soviética nas regiões do Mar Negro, do Cáucaso, Mar Cáspio, fronteira Irã -URSS e URSS-Afeganistão.
Certamente os militares soviéticos estão muito atentos, uma vez que tais tensões podem degringolar em adesões a Saddam, particularmente da parte de Teerã, o que levaria a guerra à República Soviética do Azerbaijão (fronteira com o Irã) que, além do mais, abriga um grande contingente de população muçulmana certamente não tão infenso assim – apesar de tantas décadas de materialismo dialético – aos apelos da Jihad. Sobretudo neste momento de exarcebação nacionalista nas repúblicas organizadas em torno de Moscou. Por outro lado, contíguo ao Irã e fazendo fronteira com a URSS está o Afeganistão, o barril de pólvora de onde Moscou retirou recentemente suas tropas.
O discurso dirigido especificamente aos palestinos se baseia numa questão correta e real que é a ocupação por Israel dos territórios palestinos. E também no fato real de que a ONU nesse caso jamais pensou em autorizar intervenções militares na Cisjordânia, ocupada para devolver aos palestinos seus territórios. No entanto, Saddam tem objetivos bem menos nobres do que aparenta este seu discurso: encostar mais um punhal no peito do povo palestino – em diáspora por toda a região. Se não aderem a Bagdá, podem ser perseguidos e massacrados dentro do próprio Iraque...
A isto, Shamir, o premiê israelense, responde de maneira ainda mais rápida, desconhecendo a decisão da Corte Suprema de Telavive (que ordenou a distribuição de máscaras contra gases a toda população do Estado de Israel, inclusive territórios ocupados) e, ao não distribuir máscaras aos palestinos, transforma-os em escudos humanos contra os ataques de Saddam.
Ora, a adesão dos palestinos a Saddam é mais um fator de desestabilização interna dos governos árabes já fustigados pelo coro das lideranças religiosas empolgadas pela Jihad, dos nacionalistas do pan-arabismo, e certamente pela manipulação de eventuais interesses de elites que vejam na guerra uma boa ocasião para seus negócios.
Como se vê, a estratégia de Saddam de forçar seus vizinhos árabes a aderirem à sua guerra, mexendo com as contradições internas desses países, é muito clara e decidida.
O papel de Telavive
Mas a estratégia de Saddam ainda envolve outro componente: Israel. Forçar Telavive a responder suas provocações de bombardeios é um objetivo importante. Isto não só aguça o ódio dos povos da região contra a política imperialista do Estado israelense, como coloca definitivamente contra a parede os dirigentes dos Estados árabes. A própria aliança Turquia-Egito-Síria contra Saddam viria por terra.
É importante registrar que nessa política de Israel, Saddam golpeia e desarma violentamente movimentos israelenses de oposição, democráticos, de esquerda e pacifistas que vinham florescendo nos últimos anos com algum vigor contra a política imperialista e autoritária de Israel, e que abria perspectivas para a solução da crise palestina.
Sadam não é um Hitler, como tentam afirmar o governo e a mídia norte-americanos. Ele é mais um déspota que não hesita, assim como Bush, em lançar mão de qualquer instrumento (mesmo de genocídios, como já empreendeu com os curdos) para realizar os objetivos de lucro do capital. Ambos se equivalem bem como seus aliados e sequazes. Esta guerra é crime de lesa humanidade. Como está visto, os discursos fundamentalistas dos dois (seja em torno da Jihad, seja em torno da defesa da democracia e da liberdade) são hipócritas e o desdobramento dessa nova aventura do capital pode ser ainda mais trágico do que já se constitui para os povos do mundo.
A Alemanha e o Japão, como já vimos, não têm Forças Armadas, mas têm marcos e iens suficientes para alimentar esta aventura no Golfo e depois de cobrar com altos juros as dívidas dos Estados Unidos e de seus parceiros, sobretudo os da Comunidade Européia, do mesmo modo que o Kuait fez com o Iraque depois da guerra contra o Irã, que ajudou a financiar. Uma parcela deste pagamento poderá acontecer em forma de direito ao rearmamento dessas duas potências. Outra parcela poderá estar embutida na geopolítica japonesa no Pacífico, sobretudo seu avanço econômico na Costa Oeste da América Latina e, para a Alemanha, em sua hegemonia definitiva na Comunidade Européia e mercados do Leste europeu “libertado”. Se esta é a tendência, no Golfo Pérsico estamos tendo o ensaio geral para a nova partilha do mundo, o que pressupõe uma União Soviética “neutra” e uma perestroika seguindo – ainda que tortuosamente – no mesmo rumo em que se encontra, além, é claro, da abstinência da China.
Outra tendência possível é a dos militares soviéticos também se apetecerem pela aventura. Moscou sabe (e o crescimento da popularidade de Bush e Mitterand em seus respectivos países confirma o que já sabemos da experiência de outras guerras) o quanto o espírito nacionalista-patrioteiro pode neutralizar os conflitos sociais e políticos internos, e o quanto uma guerra pode resolver crises econômicas reativando economias. A confirmação desta hipótese, no entanto, depende do comportamento do Mundo Árabe, dos demais países islâmicos e de Israel.Então será o caos. Não estaremos no ensaio geral, mas na própria partilha.
Se os dados disponíveis não são suficientes para confirmar qualquer das duas tendências como inevitáveis, também não o são para negá-las. Está claro de todo o modo, e desde o começo do conflito, que ele jamais foi pensado ou cultivado – por ambas as partes- para ter a duração de uma flor. Pelo menos a duração de uma primavera, é o que pretendem. A questão nuclear, por sua vez, está descartada pelo menos a médio prazo. Se pretendem os Estados Unidos assentar tropas na região, o bombardeio atômico não é o caminho, além do que arriscaria matar as galinhas dos ovos de ouro, o petróleo. Por outro lado, a rapidez de uma guerra nuclear impediria que a indústria bélica se aquecesse no sentido de superar a recessão interna.
Uma variante, porém, mais imponderável que qualquer outra e que deve ser levada em conta, é a capacidade dos povos do mundo de se rebelarem contra a guerra. Para isto muitos podemos contribuir, se assumirmos a bandeira da paz internacional como princípio ético fundado em interesses objetivos da classe trabalhadora.
Brasil urgente
O Brasil participa da aventura iraquiana desde a guerra contra o Irã, não apenas na qualidade de vendedor de equipamentos militares como também de fornecedor de instrutores e técnicos. As relações do país com o Oriente Médio são conhecidas. Compramos petróleo e, além de armamentos, exportamos alimentos.
Mais que óbvios são também os laços econômicos que ligam nosso país aos Estados Unidos, Comunidade Européia, Japão e FMI.
A nossa crise econômica interna, mais do que conhecida, vem sendo sentida por todos.
Esta guerra certamente abre grandes possibilidades de “bons negócios” para empresas brasileiras e para as estrangeiras aqui instaladas. Como fiel aliado dos Estados Unidos, o governo federal sabe muito bem que, apesar da demagogia de sua propaganda sobre a paz, mantém compromissos profundos com Washington.
Por um lado, certamente o grosso do parque industrial brasileiro será arrastado para produzir para a guerra tão logo isto seja necessário. Alimentar exércitos em campanha é um serviço possível de nos caber. De qualquer modo, com a política de atrelamento assumida pelo governo Collor, este fará o que Washington decidir, inclusive podendo durante algum tempo ser fornecedor para os dois lados.
Por outro lado, se tudo isto se configura no modo mais cínico e hipócrita de lucrar com a guerra falando de paz, uma outra situação ainda mais trágica já está pelo menos potencialmente armada.
Se é verdade que a popularidade de presidente cresce na opinião pública no começo das guerras – graças à manipulação de informação e das patriotadas – não é menos verdade que a realidade da guerra, com seus aumentos de impostos, sua escassez de vários produtos, economia de guerra, leis de estado de guerra etc. E principalmente com a chegada dos mortos, dos feridos e mutilados – que não poderão ser escondidos todo o tempo – inverte paulatinamente este quadro. Acalmar as populações locais, sobretudo com relação às baixas, requer uma reserva fora das fronteiras nacionais dos Estados Unidos e dos países da Comunidade Européia. No caso, o exército de reserva somos nós da América Latina. É o Brasil. Qualquer pretexto será suficiente para Collor aparecer patético nas televisões anunciando que “desde o início nós tentamos a paz, minha gente! Agora, no entanto...” Enfim, o patriotismo continua sendo o último refúgio dos canalhas...
Aliás, desde já o jornal O Estado de S.Paulo e a Rede Globo (além de outros veículos menores) vêm criando o caldo de cultura necessário para que isto um dia possa acontecer caso interesse a Washington e Brasília. Trocar o sangue dos filhos da classe trabalhadora e o povo brasileiro por linhas de crédito junto ao sistema financeiro internacional não deixa de ser um “bom negócio” para importantes setores da burguesia brasileira e internacional.
Portanto, atenção: criar um grande movimento hoje pela paz internacional é imprescindível e urgente.
Por outro lado, na conjuntura interna do país as forças progressistas e de esquerda que se colocam contra a guerra e pela paz poderão vir a enfrentar situações muito duras, incluindo a contradição que poderá se gerar entre governos municipais, estaduais e Brasília, caso esta última venha a se decidir por participar diretamente da guerra do Golfo Pérsico.
Contra a guerra, pela paz internacional!
Alípio Viana Freire é membro do Conselho de Redação de Teoria & Debate.
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