Os trabalhadores e seus partidos (anarquistas, comunistas ou socialistas) podem empenhar-se em "políticas de frente" em várias circunstâncias. Operando com uma dicotomia (isto é, empobrecendo a análise), podemos mencionar dois extremos.
No primeiro, os trabalhadores se acham em uma posição de debilidade insuperável. Têm de recorrer à conciliação com forças sociais burguesas, porque sua situação de classe é incipiente. Para jogar algum papel nos processos políticos, se vêem compelidos a aliar-se com alguma fração da burguesia e a defender seus próprios interesses envolvendo-se nas lutas intestinas dos setores capitalistas. E o que Marx e Engels caracterizam, no Manifesto Comunista, como "cauda" do movimento burguês. A mesma técnica pode ser aplicada com outros fins. Mas no Brasil e na América Latina foi essa orientação que prevaleceu de forma prolongada, deteriorando a capacidade de luta política dos trabalhadores e reforçando o monopólio capitalista do poder especificamente político.
O segundo extremo surge com o desenvolvimento e o fortalecimento das classes trabalhadoras no campo e nas cidades (ou apenas nestas). Esse processo histórico-social não é produto só da urbanização e da industrialização. Ele também depende da modernização do complexo institucional de organização e de luta econômica, cultural e política que elas atingem. A maturação de certas instituições básicas (como o sindicato, o partido político estruturado nos interesses de classe dos trabalhadores, organizações culturais próprias etc.) exige algum tempo. Em função da aceleração do desenvolvimento capitalista, países de origem colonial - especialmente os que se formaram através do modo de produção escravista - contaram com um Estado senhorial e escravista "democrático", que interiorizou o colonialismo, e se submeteram depois da Independência à dominação externa neocolonial (dominação indireta) e mais tarde à dominação externa dependente (desenvolvimento capitalista associado) - a formação do trabalho livre como categoria histórica é demorada e oscilante. Ela pode durar três décadas, meio século ou permanecer flutuante e indefinida. Nas melhores condições conhecidas, essa alteração transcorreu de trinta a cinqüenta anos após a desagregação do escravismo. Porém, só demonstrou plena vitalidade posteriormente. Os trabalhadores acabaram se impondo como um pólo histórico alternativo de pressão radical e servindo como a ponta-de-lança para a agregação de diversas forças sociais (proletárias, no campo; pequeno-burguesas; setores de classes médias descontentes; e até certas facções burguesas nacionalistas e antiimperialistas). A lógica política é simples. A vanguarda mais radical (os trabalhadores) configura-se como a força política decisiva, mesmo que suas reivindicações se detenham, por tática ou por imposição histórica, nos limites da "revolução dentro da ordem".
Vários países que no século XIX faziam parte da periferia da Europa fornecem exemplos para o estudo da última probabilidade da dicotomia. É claro que ela não se confunde com a conquista do poder como coroamento do crescimento numérico e organizativo de magnitude nacional e grau de consciência socialista revolucionária das classes trabalhadoras. Mas exemplifica como e por que a burguesia, ao tornar-se classe dominante conservadora e reacionária, sente-se incapacitada de bloquear a revolução social que se encadeia à desintegração do antigo regime e ao advento do capitalismo em sua configuração industrial e financeira. As transformações procedem de cima para baixo. Contudo, as forças históricas que as provocam pressionam de baixo para cima. Se a vontade "esclarecida" dos governantes prevalecesse, a inércia social seria a resposta da grande burguesia e a acumulação de capital não seria perturbada por nenhuma espécie de concessão. Os trabalhadores infundem vida e impulso criativo às contradições da estrutura e dos dinamismos do modo de produção capitalista, da sociedade civil burguesa (forçando-a a civilizar-se gradativamente ou aos saltos) e do Estado capitalista "liberal', cujo despotismo acaba contido dentro de limites que sempre traduzem a capacidade de confronto econômico e político das classes em presença (o proletariado, a grande burguesia e os chamados "estratos intermediários").
Não obstante, o melhor exemplo no pensamento socialista é a Rússia. Dentro e fora do POSDR (Partido Operário Social Democrático Russo), os ativistas tomaram a revolução burguesa como o protótipo da "revolução russa" ou da "nossa revolução". Foi preciso o teste de 1905 para tornar-se explícito que a burguesia russa temia mais o imprevisível, que se delineava diante de um aliado tão "perigoso" quanto as classes trabalhadoras, e que era melhor para ela acomodar-se à opressão da autocracia do czar, da nobreza e da burocracia (adocicada com privilégios e concessões valiosas). Isso não impediu que os trabalhadores, seus partidos e aliados lutassem pelo aprofundamento da revolução burguesa, para realizar conquistas imediatas e para preparar a liquidação do Estado autocrático e de suas práticas terroristas. O alvo central consistia, pois, na auto-emancipação dos trabalhadores e na criação de um regime político democrático, no qual as classes trabalhadoras dispusessem de espaço histórico para conquistar e estender, em várias direções, lutas econômicas, sociais e políticas, que tivessem como eixo a situação de interesses e os valores sociais do proletariado. A fermentação que conduziu à derrubada do czar e à fundação da Assembléia Nacional evidencia as múltiplas composições de classe que subiam à tona, como "alianças entre partidos" e como uma compulsão extremamente forte da "revolução dentro da ordem".
No Brasil de hoje estamos enfrentando uma situação histórica que evoca, simultaneamente, as duas revoluções da Rússia (a que malogrou, em 1905; e a que confundia a derrocada do czarismo com a ascensão da burguesia como classe dominante e revolucionária, em fevereiro de 1917). O golpe de Estado de 1964 abriu a rota para o "desenvolvimento econômico acelerado". O setor militar tomou como meta a estabilidade política a qualquer preço, oferecendo ao grande capital estrangeiro e nacional uma oportunidade histórica única, de exploração intensiva de mão-de-obra barata, de apropriação devastadora de recursos naturais pilhados de forma colonial, de financiamento público ou sob a responsabilidade do Estado de uma vasta infra-estrutura à implantação do modo de produção capitalista monopolista (ou oligopolista), de modernização controlada a distância de todo o complexo institucional imposto pela incorporação do Brasil à economia internacional, de sufocação do nacionalismo, da revolução democrática e do protesto social, de absorção e tolerância de práticas econômicas e financeiras de significado colonial e de conseqüências ultraespoliativas, de "nacionalização" de grandes corporações internacionais e de desnacionalização de empresas nacionais viáveis, ou estratégicas, para a "autonomização" do desenvolvimento capitalista etc. Em suma, a ditadura garantiu mudança social sem revolução ao capitalismo selvagem da periferia e às aspirações de capitalismo sem risco da burguesia brasileira.
Foi nesse contexto que as classes trabalhadoras romperam o cerco de sua marginalização e repressão sistemática. O sonho do "desenvolvimento econômico acelerado" converteu-se em pesadelo. Catorze anos depois do golpe de Estado, os trabalhadores dão uma resposta coletiva à situação global, renegando ao mesmo tempo a ditadura, a burguesia associada e o terrorismo de Estado como veículo de "defesa da ordem". A partir dessa data, as classes trabalhadoras começam a libertar-se da condição convencional de "cauda política da burguesias" e marcham em direções inovadoras, buscando organizar-se em sindicatos e em centrais operárias independentes, em partidos centrípetos, que gravitam em torno dos interesses e das aspirações do proletariado e dos oprimidos. Manifestam-se como uma força social com esfera própria na luta pelo poder (ainda não pela conquista direta do poder, apenas pela democratização da empresa, da sociedade civil e do Estado). Emergiam, pois, como um núcleo de atração de alianças políticas, dentro das fronteiras móveis dos trabalhadores livres e semilivres bem como dos segmentos radicais da pequena burguesia e das classes médias.
A questão vital, para os trabalhadores, é a da ruptura com o regime vigente. Já antes, nos governos Geisel e Figueiredo, a ditadura manipulara as pressões desestabilizadoras por meio de concessões, que culminaram na "abertura democrática". Coerente com seus interesses e com sua tradição cultural, o bloco no poder coonestou os aparentes acenos do governo ditatorial no sentido de uma "transição lenta, gradual e segura", uma fórmula hábil no sentido de resguardar o arbítrio, simulando condená-lo. A célebre "conciliação conservadora" comprovou esse fato. As "diretas-já" foram enterradas por uma minoria e o acordo pariu um monstro, a "Nova República", que não desmobilizou o aparato repressivo e, mesmo após a vigência da Constituição de 1988, convalida o "arrocho salarial", endossa a existência de bandos armados que assassinam posseiros, moradores, líderes sindicais, políticos e sacerdotes que defendem a ocupação de terras improdutivas, trata as greves de operários, de professores, de funcionários públicos, de estudantes etc. por meios repressivos brutais. A Constituição instituiu um "Estado de direito", com liberdades políticas, garantias individuais e direitos sociais que só têm vigência se não afetarem uma concepção obstinadamente reacionária da ordem legal e da iniciativa privada. O que consagra uma dualidade constitucional: há uma Constituição escrita, que exprime a "vontade da nação", mas converte-se em biombo para esconder o arbítrio e a violência; há outra Constituição consuetudinária, produzida pelo ânimo bélico das classes possuidoras e de suas elites dirigentes, consagrada pelo governo e por suas forças de repressão policial-militar e, freqüentemente, judiciária. Essa dualidade constitucional é um desafio e um freio para a ação política dos trabalhadores livres e semilivres, os segmentos radicais da pequena burguesia e das classes médias. É preciso exterminá-la, porque ela institui a violência a partir de cima, a "legitimidade" de um código não-escrito que anula o texto constitucional, servindo somente para demonstrar o quanto a "Nova República" é a sucessora hipócrita da ditadura militar e como se renova o despotismo da grande burguesia.
Dada essa moldura histórica, impõe-se distinguir entre eleições e democracia. Depois do malogro das "diretas-já" e do recente processo constituinte, as eleições aparecem como a última alternativa pacífica de uma ruptura com o atual estado de coisas. Por si mesmas, as eleições não pressupõem nem levam à democracia. A revolução democrática foi abortada a sangue frio em 1937, 1964 e 1984, quando se tornou patente que a derrubada popular do esquema de poder conservador conduzia à extinção do despotismo mascarado, militar e civil. Em 1964 e em 1984 o país caminhava com ritmos rápidos na direção de consolidar uma democracia de participação ampliada, com um duplo adeus ao mandonismo tradicionalista e ao seu irmão siamês, o populismo lastreado na demagogia dos de cima. No momento, existem claras probabilidades de que se arme a estrutura institucional de uma democracia pluralista, com um forte pólo de classe operária e popular. A Constituição de 1988 comporta essa alternativa, e a inquietação social fomentada pela deterioração da economia e da ordem legal repõe o cidadão comum no lugar que ele deve ter. Nessas circunstâncias, não se pode afirmar o quanto de democracia resultará das eleições. Entretanto, elas trarão dois resultados líquidos. Primeiro, a conquista efetiva de voz social e política pelos trabalhadores livres e semilivres na sociedade civil. Segundo, a interferência deles na debilitação do despotismo burguês em todas as suas modalidades, privadas e públicas. Os de baixo sabem, cada vez mais e melhor, de onde provêm os seus problemas e se dispõem a arrostar os seus algozes no terreno em que se travará o embate decisivo, ou seja, no plano político e na luta pelo poder.
A contraprova dessa interpretação revela-se espontaneamente. Ela é dada pelo vigor com que o "poder econômico" está se envolvendo, sem rebuços, na demolição de candidatos "não-confiáveis" e nas tentativas para pôr de pé uma candidatura de direita que possa, aparentemente, ostentar-se como "não-ideológica", pairando "acima das classes". Os líderes políticos de maior experiência e respeitabilidade são quase descartáveis. Atingidos direta ou indiretamente pelo mau uso do poder ou pela desmoralização sistemática provocada seja pela ditadura militar seja pela "Nova República" contra os "políticos profissionais", eles encontram forte resistência no corpo dos eleitores. O "centro" (ou seja, sem ambigüidade: a direita e a extrema-direita) recorre a técnicas modernas de seleção dos candidatos e forja candidatos que correspondam à projeção coletiva de um futuro "bom presidente". Sabia-se que a direita e a extrema-direita entrariam em campo com uma candidatura forte e, até, com mais de uma, para aproveitarem as vantagens dos dois turnos. Sondagens que não foram divulgadas "descobriram" o candidato com os requisitos necessários. Ele foi "trabalhado" e "posto no mercado" - e, pelo menos até agora, o objetivo está sendo atingido. A técnica da "produção do presidente" chega, pois, ao nosso "mercado eleitoral", e é provável que o processo psicológico e mercadológico seja repetido com mais alguém. Além disso, as técnicas tradicionais de intervenção do "poder econômico" continuam a ser aplicadas intensivamente. O escrutínio dos candidatos e do seu grau de fidelidade está em pleno curso. Porém, o "poder econômico" não tem pressa. Na hora H será escudado pelo aparelho do Estado e pelos partidos da ordem. No fim, terá em suas mãos um, dois ou três grãos que virarão pipoca. As negociações finais para o segundo turno andarão sobre trilhos bem azeitados. Acresce que várias instituições-chave conservadoras operam simultaneamente. Elas funcionam como britadeiras, martelando sobre a esfera ideológica e política, buscando desfigurar não só as imagens mas também as mensagens de políticos realmente de centro ou de esquerda. Eles são bombardeados para se conformarem aos padrões morais e políticos conservadores - e para se mostrarem abertos seja ao "neoliberalismo", seja ao "antiestatismo" (preservando-se, naturalmente, a privatização do público, a mão invisível que cuida maternalmente do fortalecimento do capital nacional e estrangeiro no Brasil).
Um país que perdeu seus laços com as práticas políticas e eleitorais sucumbe, assim, às implicações negativas da "lei dos pequenos números". As elites decidem em nome e em proveito de uma minoria de privilegiados, os quais repelem a democracia e pretendem manter a "farsa da transição democrática", como se o país fosse incapaz de mobilizar os cidadãos comuns para instituírem uma sociedade civil civilizada, um Estado democrático com dois pólos de poder (um burguês; outro proletário e popular) e uma cultura aberta ao talento dos pobres e dos oprimidos. Uma burguesia pró-imperialista opta pela dependência como mercadoria e fonte de lucro e breca até o desenvolvimento capitalista suscetível de voltar-se para reformas e revoluções propriamente burguesas. Transfere, portanto, aos trabalhadores e aos excluídos suas tarefas históricas. Ou os de baixo avançam por dentro da ordem, ou esta toma um caráter eminentemente regressivo e neocolonial, já que o capitalismo monopolista implanta, dentro das "nações hospedeiras", suas hordas de tecnocratas e de funcionários, suas empresas, sua tecnologia "de ponta", inclusive sua "inteligência militar", seu poder de dissuasão e de opressão.
A Frente Brasil Popular nasceu primordialmente dessa constelação histórica. Quando ela foi concebida, ainda não se pensava nas táticas eleitorais concretas e na partilha dos minutos que os partidos de oposição de classe receberiam no rateio da propaganda eleitoral "gratuita". Aquele foi um momento de grandeza na história do socialismo no Brasil. Luiz Inácio Lula da Silva explodiu como um candidato de origem operária e líder da bancada do Partido dos Trabalhadores. Repetia-se a história de Davi contra Golias. Era preciso usar contra a minoria privilegiada a mesma técnica que ela vem aplicando com êxito contra os trabalhadores e os oprimidos. Organizar-se para vencer. Unir-se para multiplicar as próprias forças e, se possível, ganhar a batalha eleitoral e a presidência, embora em um quadro que exclui a conquista do poder pela classe. Não se pode incentivar utopias, mesmo que sejam proletárias e socialistas. Os dilemas do pobre e do trabalhador são transparentes e dolorosos. Mas há um sonho. No primeiro arranque pós-ditatorial, eclode o plano mais ousado. Levar os partidos de esquerda a bater-se com seus inimigos reais e explorar as contradições inerentes a um país com desenvolvimento capitalista desigual para corrigir essas contradições, mediante a transformação da mentalidade e do comportamento eleitorais dos trabalhadores livres e semilivres e de seus aliados conjunturais ou ideológicos.
Aqui, estamos no anticlímax da ditadura e da "Nova República". Um arco da esquerda é uma resposta histórica e um desafio manifesto. O Partido Comunista do Brasil, o Partido Socialista Brasileiro e o Partido dos Trabalhadores tiveram de superar obstáculos ideológicos, preconceitos antigos e promessas que sempre foram silenciadas para articular um entendimento comum e uma plataforma comum razoável. Nenhum partido seria "cauda política" dos outros, embora o PT fosse majoritário e estivesse em condições de pleitear uma posição hegemônica, coisa que não ocorreu porque a perspectiva socialista prevaleceu acima de convergências e divergências. Convencionou-se que o candidato à presidência sairia do PT e que o candidato à vice-presidência resultaria de entendimentos entre os demais partidos. O nome seria submetido à aprovação do PT. Haveria, também, a organização de uma campanha conjunta e um programa inclusivo, nascido do consenso dos quatro partidos. Os meios de comunicação escrita e falada foram mantidos informados passo a passo e nada ficou secreto para os que desejassem inteirar-se do assunto. O único ponto sombrio provinha dos partidos que preferiram preservar a liberdade de concorrer isoladamente e examinar apenas no segundo turno as alianças ulteriores. Essa decisão foi respeitada. Ela enfraquece o arco da esquerda. Contudo, ela é historicamente (e também politicamente) inevitável. Cabe ao PCB descobrir seus verdadeiros caminhos. O PDT e o PSDB, por sua vez, ainda precisam identificar o que é radicalismo burguês, social-democracia e socialismo dentro de seus muros - e como irão engajar-se, como forças eleitorais e políticas de centro-esquerda, na construção de um Brasil no qual a liberdade de alguns deixe de ser a razão do império da barbárie.
O arco da esquerda possui, na sua essência, o fito de converter uma fraqueza relativa em força real. Representa, pois, um recurso de acumulação e de concentração de poder. Seria um erro subestimar esse recurso, como também o seria exagerar seu significado. De imediato, ele se vincula a um alvo conjuntural - uma campanha eleitoral. No entanto, não se deve dissociar o eleitoral do político. Os parceiros se unem em termos de uma situação de interesses, de valores sociais das classes trabalhadoras e da necessidade de transmutar uma "escolha eleitoral" em processo de consciência de classe como uma tentativa deliberada de socialização política socialista. Isso quer dizer: saltar do plano eleitoral para o plano político mais dedicado e complexo, que é o da organização, consciência e comportamento político de uma classe social relegada à exclusão cultural e ao ostracismo educacional. O simpatizante não é visto como subalterno, mas como companheiro, e a ele é transferido o papel de educar ou reeducar outros eleitores nas mesmas condições (destituídos, explorados e oprimidos). A cada um cabe compreender e irradiar ou difundir a mensagem de solidariedade de classe, que não se confunde com o ato de votar e de "escolher o futuro presidente".
Por isso, nos planos tático e estratégico cada partido precisa atuar simultaneamente em sua área e em conjunto. São duas esferas concomitantes de propaganda eleitoral e de socialização política de caráter pedagógico. Por isso, ao contrário dos partidos da ordem, os partidos de oposição proletária e socialista precisam desdobrar-se e distinguir cuidadosamente a diferença específica existente entre o primeiro e o segundo turnos. No primeiro, os adversários poderão estar mais dispersos e confiantes. Sabem que poderão vencer já no primeiro turno e vêem como favas contadas a "união sagrada" no segundo turno, se ela se impuser como indispensável. Os partidos do arco da esquerda precisam queimar todos os cartuchos no primeiro turno, para criar uma emulação de classe que atinja os aliados menos politizados da mesma classe e os aliados pertencentes a outras classes. Estes necessitam ser contagiados, para alcançarem o pico da mobilização nas proximidades das eleições, quando os militantes mais ardorosos "pegam fogo" e "dão tudo o que têm". Se esse fim for obtido, quando chegar o segundo turno todos já começam afiados e com preparo psicológico para aceitar com naturalidade a vitória ou a derrota. A eleição é um episódio. Não é o ponto final. Haverá sempre um saldo político inestimável, que emana do fato de que todo o processo alimenta uma experiência educacional única, na aprendizagem concreta do que é o socialismo e como lutar por ele.
No passado remoto, prevalecia a tática da radicalização crescente. O partido mais radical ou revolucionário de uma coligação punha-se automaticamente à frente dos outros e assumia a liderança do processo. Aqui e agora não se trata de uma revolução social mas da implantação de uma democracia dotada de dois pólos, um burguês, outro popular e proletário, como já foi indicado. Nenhum partido disputa a preeminência incisiva. Portanto, os partidos de esquerda aprendem a lutar juntos contra o inimigo comum e pela mesma causa. Não obstante, prevalece o esforço de ação coordenada e conjugada. Esse é o padrão corrente, ainda válido. Ele falhou no Chile. Mas deu certo na Nicarágua e em El Salvador, em condições precárias, e mostrou-se construtivo no Peru. A experiência contém, sob esse aspecto, um sentido altamente positivo. Ela acaba (ou ajuda a acabar) com o dogmatismo, com o oportunismo e com o extremismo. Ajuda a forjar uma compreensão inovadora da teoria e da prática socialistas, enraizadas na confiança recíproca, na solidariedade no uso de meios de luta e na seleção de objetivos que se impõem, neste momento, como tarefas históricas fundamentais das classes trabalhadoras e de seus aliados políticos. Tudo isso situa a campanha presidencial de Lula e Bisol dentro de um contexto histórico que contribui para acelerar o desenvolvimento das classes trabalhadoras e do socialismo em um novo patamar político. O que é velho e arcaico ainda não foi vencido e enterrado. Todavia, já irrompe a tendência histórica que prende o futuro próximo ao presente incerto e sufocante que estamos vivendo.
Florestan Fernandes é professor universitário, sociólogo e deputado federal pelo PT-SP.